Voltar à página inicial
TEMPO NA HOLANDA
Tempo na Holanda
TEMPO NO BRASIL
Patrocine esta autora anunciando aqui
Compre livros do Brasil e receba-os em sua casa!
Colunas

Arnild Van de Velde
é de Salvador, de onde saiu há 14 anos. Antes da Holanda, morou na Escócia e na Alemanha. Dedica-se ao jornalismo, à literatura, à execução de projetos culturais e ao estudo da "Ciência da Cultura"( Kulturwissenschaft), pela Universidade de Hagen(D).

O rabo preso do leitor

Arnild Van de Velde

 

Ao pegar um jornal, revista ou acessar determinada página da internet,  meu  interesse imediato é pela seção reservada aos leitores.  Em verdade, as “cartas”  - como ainda hoje são chamadas as mensagens enviadas às redações – sempre exerceram grande fascínio sobre mim, tendo eu mesma sido temporariamente responsável pela seleção, edição e publicação destas, num certo jornal regional brasileiro, 17 anos atrás.

Este tipo de correspondência me atrai sobretudo por seu tom variado.  Mesmo quando há concordância com o objeto da mensagem – o texto publicado – a perspectiva do leitor pode revelar aspectos que talvez tenham passado despercebidos ao autor. Neste caso, o remetente assume a função de colaborador, de um co-autor de última hora.

Quando, porém,  a força que o impele  é a  discordância,  o leitor transforma-se em crítico – papel para o qual sólido conteúdo e forma  impecável  são imprescindíveis. Do contrário, qualquer protesto de sua parte destina-se ao mal-entendido, ou a ser atribuído à obra de um doidivanas a quem não se deveria dar crédito.

Até onde posso me lembrar, na era pré-internáutica,  forma e conteúdo definiam a objetividade na escolha das cartas dignas de publicação.  Dentre os benefícios gerados por esta ‘relíquia’ operacional, destaca-se o fato de  muitos autores de hoje terem sido içados do mar de leitores de então,  surpreendentes pela acuidade de suas observações. Naquela época, exercer o direito de leitor significava também “meter a mão na massa”: escrever de punho próprio, ou à máquina,  era questão de opção e/ou acesso à tecnologia disponível;  contudo, quem realmente julgava ter  algo dizer,  precisava de um esforço derradeiro: ir ao correio e postar a mensagem, na esperança de que esta ao menos viesse a ser lida.

Atualmente, a vida do leitor é repleta de facilidades. Ele já não precisa esperar um dia inteiro –ou uma semana – para ler a publicação de sua preferência. Basta digitar um endereço eletrônico e clicar em  “ir”,  para que a página de seu interesse surja de imediato na tela de seu computador. Na vida do autor, a chegada do “Word” operou a mais importante transformação. Hoje, como antes, ele ainda luta contra a falta de imaginação, pelo encontro do fio da meada, ou  para derrotar a procrastinação – “males” que teimam em vencer a vontade da expressão por meio de palavras. Mas, pela rapidez com que tal esforço pode ser destruído, é possível imaginar que, o que para o autor é uma fortaleza, para o leitor não passa de um castelo de areia.

Com a mesma velocidade que acessa a informação, o leitor moderno a julga, condena e executa, valendo-se de seu direito à liberdade de expressão. Para tanto, mune-se da Liberdade,  legado que nossos antepassados nos deixaram em abundância –  o qual, talvez por isso mesmo,  tanto maltratamos quanto desperdiçamos. Fundamentalmente, é a Liberdade de um que desafia a do outro e vice-versa.

Enquanto o autor se expõe com toda sua luz e sombra – o fator credibilidade exige –  e assume a responsabilidade pelo que escreve, o leitor pode mascarar-se, e assim esquivar-se da mesma obrigação. Na internet, onde é muito fácil ser quem não se é, reinventar-se à imagem e semelhança de fantasias e conveniências está e continuará na ordem do dia, pelo menos enquanto legitimações mais confiáveis do que o IP não se tornarem obrigatórias.

Quem pode afirmar que rosto se esconde atrás de uma identidade ‘via’ PC? Será homem, mulher ou menino, o indivíduo corajoso o suficiente para discordar, espinafrar e ridicularizar o outro, desde que

escudado por um codinome ou uma ‘graça’*(qual é a graça, afinal?) imaginária? Não foi à toa que modifiquei o slogan da Folha de S. Paulo( “De rabo preso com o leitor”), para dar título a esta coluna: a dissimulação de que falo parece coisa de leitor que tem o rabo preso. Sabe-se a lá a quê. Ou a quem.

Aqui mesmo neste site, seguidas vezes deparei-me com aplicações equivocadas do velho “Quem diz o quer, ouve o que não quer “.  Esta máxima só tem uso justificado quando associado à coragem. Quem diz o quer, às escondidas, ou tem desvio de caráter, ou é bufão. Na crítica fundada somente no desejo de aborrecer jaz  a oportunidade, para quem lê, de interagir com quem escreve. Tomando emprestado de Marshall McLuhan, um homem das comunicações,  diria que não somente o meio, mas também o modo, é a mensagem. Na prática, o leitor é mais importante do que o autor, porquanto escrever não é a arte; a arte é ver pelos olhos de quem escreve.

Como alguns dos que se lançam às desventuras da publicidade resultante do desejo de ser visto e querido não nasceram com as armas de um Diogo Mainardi – quem nutre profundo desprezo por leitores malcriados – o efeito de pancadas verbais pode ser irreversível. Quem quer ser lembrado por poucos deve escolher atividade anônima;  isto não é conflitante com o amor às letras. Um funcionário público que verifica processos, ou um sonhador que apenas as desenha mentalmente, estará mais protegido do efeito bumerangue das palavras do que aquele que arriscar-se a dizê-las,  em tom audível, ou por extenso,  em espaço que não seja seu diário íntimo.

*Eufemismo para “nome”



Comente aqui:

Visite nossa página de anúncios classificados
Como chegar
Guia de mapas e transporte público
 
 
 
.: Importante :.
Todas as colunas são de única e exclusiva responsabilidade dos seus autores.
Suas opiniões não refletem necessariamente o pensamento da criadora do site.
Site criado e mantido por Márcia Curvo - Reprodução proibida ©2006 - Para sugestões ou anúncios entre em contato conosco.