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ALEX FLEMMING, 54, é artista plástico, visite o site do autor www.alexflemming.com

 

Uma lição holandesa

 

Por ALEX FLEMMING


O que nós já poderíamos ter feito se os milionários do Brasil tivessem posto 0,1% de suas fortunas à disposição de um iluminismo nacional?


O "AURÉLIO" nos ensina que "cultura" é o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e doutros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade. O "Houaiss" diz que "memória" é a "lembrança que alguém deixa de si, quando ausente ou após sua morte". E na Enciclopédia Britânica lemos que Jorge Amado (1912-2001) foi um escritor que alcançou aclamação internacional.

Pois bem, Jorge Amado morreu e, por razões X, Y ou Z, resolveu-se levar a leilão todo o conjunto de obras de arte reunidas pelo escritor e sua esposa, acumuladas durante décadas de diálogos com grandes artistas do Brasil e ao redor do mundo.

Nesse conjunto estava retratada não só a memória visual de uma época, bem como todo um pensamento cultural. A representação pictórica de um período, reunida em uma rica coleção e de grande significado nacional, foi dispersada aos quatro ventos.

Não teria sido melhor preservar e guardar esse inventário coeso em sua totalidade para que nossas gerações futuras pudessem pesquisar e entender melhor o Brasil do passado? Perdemos aí oportunidade única de prestar homenagem às gerações futuras.

O retrato de Oswald de Andrade por Anita Malfatti, o retrato de Jorge Amado por Flávio de Carvalho e o de Mário de Andrade por Di Cavalcanti já deveriam ter despertado um sinal de alarme singular nas consciências bem pensantes do Oiapoque ao Chuí.

Essas obras mereceriam permanecer juntas e ter visitação pública em um museu ou alguma instituição séria, como o Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Ou, quiçá melhor, que se tivesse criado algo semelhante em universidade da Bahia.

Ajunte-se aos três retratos as obras de José Pancetti, Aldo Bonadei, Lasar Segall, Antônio Bandeira, Cícero Dias, Djanira, Alfredo Volpi, Aldemir Martins, Emanoel Araújo, Siron Franco e Nelson Leirner, além de estrangeiros do porte de Pablo Picasso, Diego Rivera e Antonio Berni.
Não é pouco o que foi desmembrado e que passou a ser propriedade de particulares, deixando de ser objeto de pesquisa para muitos, num escapismo cultural típico de mentalidades individualistas pouco preocupadas com a nação e com sua cultura.

Enquanto o leilão levava à bacia das almas o que poderia ter sido motivo de orgulho em qualquer instituição brasileira, na Holanda, o museu Van Gogh comemora os 125 anos da Associação Rembrandt com uma exposição que tem muito a nos ensinar, tanto quanto o "Aurélio" e o "Houaiss".

A dita associação vem a ser uma sociedade civil de mecenas de alto poder aquisitivo que dão dinheiro do próprio bolso para serem compradas obras para museus na Holanda.

Fundada em 1883 por 12 pessoas preocupadas em salvar de maneira conjunta uma coleção específica de raridades de gravuras holandesas que ia a leilão e tendo consciência da ausência de rapidez e de vontade política do Estado, a associação comprou 500 obras e as doou para o Real Gabinete de Estampas, dobrando a quantidade do acervo da instituição.

Pouquíssimos anos depois, os 12 membros se tornaram 200 e, hoje, são 10 mil contribuintes voluntários preocupados em salvar e aumentar o patrimônio cultural holandês.

Quando a associação surgiu, o próprio Rijksmuseum tinha só quatro Rembrandts e um único Vermeer emprestado pela cidade de Amsterdã.

Foi com o esforço, a perspicácia e o empenho financeiro do grupo que esses dois pintores maiores foram comprados para as coleções públicas.
O primeiro Rembrandt foi adquirido em Londres e repatriado para a Holanda, e o primeiro Vermeer foi arrematado em leilão. Depois de assegurar uma quantidade espetacular de obras desses artistas, bem como de Frans Hals, Ruysdael e outros, a partir de 1912, a associação começou a comprar arte não holandesa do calibre de Fra Angelico, Dürer e Kurt Schwitters, passando por um leque formidável que inclui Goya, Manet, Picasso, Mondrian, de Kooning, Philip Guston e Bruce Nauman, só para citar alguns criadores de diferentes épocas e tendências estéticas.
Eu me pergunto o que nós já poderíamos ter feito se os milionários do Brasil tivessem colocado 0,1% de suas fortunas à disposição de um iluminismo nacional. Quem somos e para onde vamos: qual é o papel que nossa elite deveria desempenhar para seus próprios filhos? Por que não ampliarmos o acervo do Masp, do Museu Nacional de Belas Artes do Rio ou fomentarmos instituições culturais em pequenas cidades?

Será que estamos 125 anos atrasados? Pode ser. Mas acredito que sempre é tempo para começar e há muitíssimo a ser salvo no Brasil.


14/12/2008

 

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