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Gisa Muniz é natural de São Paulo, capital, e mora há 18 anos na Holanda. Estudou Letras em São José dos Campos, São Paulo. Fez mestrado em  Lingüística na Rijksuniversiteit Utrecht. É diretora fundadora do  instituto de línguas Talent Talen, em Utrecht onde também atua como tradutora/intérprete de holandês, inglês e português e professora de  português e inglês. Escreveu para a série PRISMA  "Portugees voor  Zelfstudie" e "Basisgrammatica Portugees", Editora Het Spectrum,  Utrecht.

 

"Lula, você está me ouvindo?"

Gisa Muniz

 


É, cometi essa gafe. Chamei o nosso presidente de "você" e pelo primeiro nome, como se ele fosse um amigo. Mas quem pode me culpar? Desde que me conheço por trabalhadora "conheço" o Lula, desde que recebi meu título de eleitor, votei no Lula. Antes mesmo dele se candidatar a presidente eu já o via na porta da Embraer, onde eu trabalhava, lá de cima do caminhão pedindo pelo megafone para a gente não entrar e fazer greve. O Lula, para nós, era "o Lula".
 
Eu sempre nutri uma grande admiração pela sua persistência e força de vontade e vontade de ver o Brasil mudar. Eu também queria ver o Brasil dando oportunidades às minorias, todos na escola, todos trabalhando, todos comendo, igualdade social. Eu partilhava do mesmo desejo de progresso do então metalúrgico sindicalista.  Quando ele se candidatou a presidente, havia um certo medo de que ele nunca conseguiria chegar ao planalto, por causa da  nossa política coronelista. Mesmo assim, fizemos incessante campanha eleitoral entre colegas da faculdade, amigos e família. Acreditávamos e investimos nesse sonho do "Lula lá".
 
Eu me lembro, como se fosse ontem, que em 1989 o Lula estava com mais que  50 por cento das intenções de voto, com a vitória quase garantida, mas o Collor acabou ganhando a eleição depois daquela manipulação editorial do debate pela Rede Globo com a qual nós, petistas, nos indignamos amargamente.
 
A minha frustração com a vitória do Collor foi grande. Achei que o Brasil não tinha mesmo jeito e eu me sentia com um grande potencial a ser explorado e não queria "jogar minha vida fora".  Resolvi voltar para a Holanda em janeiro de 1990 - já tinha vindo em maio de 1989 - antes mesmo que o Collor tomasse posse.
 
Cheguei aqui e foi um choque cultural. As coisas funcionavam, decisões eram implementadas com eficiência e rapidez. Percebi que se podia desenvolver profissionalmente e ser levado a sério quer você fosse homem, mulher, feio, bonito, preto, branco, pobre , rico, estrangeiro, holandês... Isto me fascinou e fui ficando por aqui. Fiz mestrado em lingüística ao mesmo tempo em que dava aulas de português. Depois, montei meu instituto de línguas em Utrecht e continuei a dar aulas passando também a fazer trabalhos de interpretação e tradução juramentada. Mais tarde escrevi um método de português  como segunda língua e depois uma gramática prática de português como segunda língua. A Holanda para mim foi o país das oportunidades. Sempre me pergunto o que seria da minha carreira profissional se tivesse ficado no Brasil.
 
Mas estava na Holanda, onde o tempo, minhas atividades e meu contexto se encarregaram de me distanciar da política do Brasil. Passei então a ouvir de CPI aqui, CPI ali, que não davam em nada. E fui seguindo a minha vida, sem querer saber nomes dos políticos no poder, medidas de governo, sem me interessar em ler as críticas internacionais. Mas mesmo longe do nosso sol, sempre votei no Lula, na esperança que ele, um dia, fosse eleito. Quando isso aconteceu, considerei até voltar para o Brasil, mas já estava com a minha vida muito bem encaminhada por aqui.
 

Até que, agora, fui chamada pela embaixada para fazer a tradução simultânea do evento com a delegação brasileira que viria para cá acompanhando o presidente num evento de dois dias que seria encerrado com um discurso presidencial.

Fazendo a tradução, ao longo do seminário, fui vendo o quanto eu não participei do desenvolvimento do Brasil nos últimos anos. Tive orgulho do Lula e da sua equipe ao ver que ele está se superando e surpreendendo os críticos internacionais.
 
Quando o Lula se sentou na bancada e colocou o fone de ouvido, o seu tradutor me disse: "Ele pôs o fone de ouvido. Pergunte se ele está conseguindo ouvir." Eu, sem pestanejar, perguntei: "Lula, você está me ouvindo?"  O Lula deu um sinal de positivo com o polegar e eu desliguei o canal do som, que só fica ligado quando se começa a traduzir. Foi quando o tradutor do Lula me corrigiu, dizendo: "Presidente Lula, o senhor está me ouvindo?" Tive um acesso de riso entre envergonhado e nervoso pois, só aí fui me dar conta de que ele não é mais aquele sindicalista que falava na porta da Embraer, agora ele é o Presidente Lula!
 
E eu represento um grande número de profissionais que gostariam de ter ficado no Brasil, mas que, por suas próprias razões, preferiram tentar a vida em outro país, passando por tudo o que faz parte dessa experiência de viver fora, sem reclamar muito, porém querendo acreditar que o Brasil efetivamente tenha mudado e que um dia vão poder voltar a ver o sol o ano inteiro.

Então lhe pergunto, com todo o respeito: "Presidente Lula, o senhor está me ouvindo?"

14/04//2008

 

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