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Johannes Goes, holandês, morou 15 anos no Brasil (Rio, Belo Horizonte, Salvador e Fortaleza). Ensinava Inglês. Escreve por prazer, também autor e produtor de um Curso de Inglês de Conversação Prático. Casado com uma brasileira, 3 filhos e uma neta , mora no Algarve, Portugal.

 

O Motorista Baiano

John Goes

 

Era simpático, muito simpático o motorista de táxi que nos trouxe do aeroporto de Salvador até o nosso hotel em Itapuã.
Viemos para matar a saudade da terra, cheia de felicidade, onde o Senhor do Bonfim tinha arranjado uma morena para mim.

Logo quando identificou que viemos de Portugal, nos confiou que o pai dele também era português e que o maior sonho dele era, antes de morrer, visitar Lisboa um dia, ouvir fado e comer bacalhau com natas num restaurante com vista sobre o Rio Tejo.

Não é de estranhar paternidades portuguesas no Brasil mas no caso dele causou surpresa já que o nosso motorista era baiano da gema mesmo, quer dizer um negão daqueles mais parecido com o Jonas Savimbi, guerrilheiro de Angola, do que com o José Sócrates, Primeiro-Ministro de Portugal. Mas tudo é possível e as leis da genética de Mendel explicam.

Esbanjou tanta simpatia e carinho por Portugal por cima de nós, que instintivamente ficamos calados para não estragar o seu entusiasmo. Dizer que afinal eu era holandês e a minha esposa era brasileira faria esfriar aquele calor humano com o qual o homem nos envolvia.

Chegado ao hotel, cumprimos o nosso papel de português para português e demos uma boa gorjeta, assim contribuindo para a sua viagem à Lisboa. Fez questão então de nos dar o seu cartão e que estava às ordens para o que desse e viesse no caso de precisarmos dos seus serviços. Chamava-se Luís.

Foi providencial ter o seu cartão já que no dia seguinte precisávamos de um táxi mesmo para voltar de um acolhedor restaurante onde tínhamos ido a pé mas na hora de voltar começou a chover.

Por acaso já no fim do jantar, conversamos com um casal, ele italiano de meia-idade e ela ‘da terra’. Aliás o restaurante, ‘de requinte’, tanto em ambiente e preços, estava cheio de italianos com as ‘da terra’. Desta vez, em vez de ser tratado por português, os garçons, que até já falavam um bocado de italiano, me trataram por italiano  e o que mais ouvia era ‘prego’ para lá e ‘gracie’ para cá.

O italiano, na mesa ao lado, um homem expansivo, foi quem puxou a conversa. Me disse qualquer coisa em italiano e respondi em italiano perfeito ” Sorry, io non parlo Italiano.” A conversa seguiu em inglês, tipo ligeiro: de onde eu era e quanto tempo ia ficar e que linda mulher que arranjei. Ela, a ‘do Italiano e da terra’, aproveitou para especular a minha esposa. Quis ela saber se a minha esposa era nova por aí. Era sim. Como é que arranjou um cara como eu, parecia cheio de grana.

“ É um pixote muito grande”, confidenciava a minha.
‘ Não tem cara’ disse a outra.
‘ Mas é’, disse a minha, ‘ É Holandês’.
‘ Ah, que azar, hein? Holandês é pão duro mesmo,’ disse a baiana.
‘ Eu é que sei, sou casado com ele já uns bons tempos’. Ficou a baiana logo avisado, que pixote ou não, já tinha dona.
‘ Logo vi que você é uma mulher de sorte. Olhe,’ dirigiu–se ao italiano: ‘Sono marito e molhie’ ou algo assim.
Foi dito num tom como se fosse uma boa idéia, porque ninguém tinha pensado antes numa possibilidade dessas?

Disse de novo ‘ É vero, marito e molhie’ agora num tom de ‘Não se manque, não é? Me peça em casamento, vê lá o que vou dizer.’
Não sei se chegou a este ponto que já tínhamos pago a conta e  dado o cartão do Luís para o garçom telefonar para ele vir buscar a gente por causa da chuva.

O Luís apareceu em pouco tempo e entrou no restaurante procurando por nós. Vendo-o, disse-me o italiano:

- Ah, é o Luígi. Conheço. Me apanhou no aeroporto. Molto simpático ele. Me apresentou à mãe dele. Uma simpatia ela também. Alem de ser mãe do Luigi, ela também é, o que chamam aqui ‘mãe-de-santo’. Ela logo quando me viu, sabia que eu sofria de um mau-olhado da minha ex-mulher. Era por isso que nunca mais arranjava mulher na minha vida. A mãe de Luigi fez lá uns rituais e imediatamente me senti outro. Não é que o Luigi em seguida me apresentou à sua vizinha e logo fez um clique entre a gente? É ela mesma que está comigo na minha mesa agora.

Verdade seja dita: a vizinha do Luís era um belo ‘pedazzo’ de mulher e para italiano nenhum botar defeito.

- Ma que cosa! disse eu , É mesmo vero?
- Veríssimo.
- Só mesmo na Bahia de todos os Santos e as mães deles. É raro darmos com motoristas tão simpáticos e ainda com as suas vizinhas ‘a dare la minestrone’.* Profissionais assim merecem toda a nossa consideração e uma boa gorjeta.
- E não dei? Ainda por cima: sabe que o pai dele era italiano? Quem diria, hein? Antes de morrer o Luigi quer conhecer  Roma, ver o Santo Padre, jogar uma moeda na Fontana di Trevi e comer uma bela macaronada num ristorante na Piazza Navone. É un buon ragazzo. Merece mesmo uma boa gorjeta.

*minestrone = sopa

©John Goes, Bahia, Março 2006

 

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