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Johannes Goes, holandês, morou 15 anos no Brasil (Rio, Belo Horizonte, Salvador e Fortaleza). Ensinava Inglês. Escreve por prazer, também autor e produtor de um Curso de Inglês de Conversação Prático. Casado com uma brasileira, 3 filhos e uma neta , mora no Algarve, Portugal.

 

Garota de Ipanema

John Goes

 

Sou do tempo que Ipanema era outra coisa. Ainda havia muitas casas e casarões. Havia um bonde que andava na contramão na Visconde Pirajá. Não havia o túnel Rebouças e o pessoal da Tijuca, Rio Comprido e Bangu se quisesse ir à praia tinha que ir mesmo à praia de Ramos, azar.

Na época o pessoal da Secretaria do Turismo da Guanabara tinha metido várias Garotas de Ipanema na nossa praia. Era para os gringos verem e não falar mal depois de visitar o Brasil e dizer  “Fui lá e nunca vi nenhuma.”

Aquela em frente da Rua Farme de Amoeda  era “tall and tender” , quer dizer era uma magrela comprida e ainda foi classificada de ser “young and lovely”. Bom, “young and lovely” era só para Inglês achar. Tinham meninos de doze, quatorze anos chamando ela de ‘titia’ e “lovely”, bem, ela que me desculpa mas como um amigo meu dizia: a beleza é essencial. Além do mais parecia que tinha qualquer coisa de errada com os olhos dela que olhavam sempre ‘straight ahead’ , quer dizer para frente, e nunca para os lados onde eu estava sentado de baixo da minha barraca, sorte minha. Eu a segui uma vez até a sua casa e descobri que morava num apartamento na Rua Bulhões de Carvalho. Bem que eu estava desconfiado que ela era mais posto 6 do que Ipanema.

Era do tempo do IANQUE GO HOME e a vida dos gringos não era assim tão fácil, o que podia ser observado na praia quando trocavam de roupa por debaixo de uma toalha. Dava um trabalhão. Depois metiam os sapatos, as meias grossas, a cueca, o sutiã ou a gravata, camisa, calça e o palito num monte e iam nadar. Quando voltavam nunca mais achavam o monte( já era assim até naquela época). Além de serem obrigados de trazer os seus passaportes e os dólares junto à praia, também tinham de dizer, igual a todo mundo,  “-a-a-ah!”, quando aquela do Turismo passava e ia molhar o pezão dela. Na época, quem não dizia, levava uma multa e logo uma cacetada na cabeça para aprender como era.

Quando ela então chegava da Farme de Amoeda e colocava o pé na areia, ouvia se  logo o primeiro “a-a-ah!” Até ela chegar à agua, parecia o efeito de dominó, escutava-se " a-a-ah!" ,"........a-a-ah!" ........... "a-a-ah!........,"a-a-ah!" até lá longe, quase à beira mar.

Depois de eu denunciar no DOPS alguns ianques que não faziam o  “a-a-ah!” como deve ser mas mais como  “ ahn-ahn-ahn!” , como estivessem bochechando, mudei me para o Montenegro. Aí sim. Lá estava ela. Disse eu para o meu amigo Vinícius “Olha bem, que coisa mais linda!”. Ele sempre com um lápis e papel na mão e eu com  binóculos. “É mesmo, esta está cheia de graça, sei lá, tem um doce balanço”, disse o meu amigo Vinícius com os seus olhos esbugalhados, “ aliás, me empreste os seus binóculos, acho que tem matéria que devo registar .”

Ela chegava sempre um pouco depois das 4 horas da tarde. Eu já ía lá todo santo dia, oficialmente para pegar uma praia, mas na verdade era só para ver a coisa mais linda que já vi, passar.

Não sei se estão me compreendendo mas eu era um imigrante recém-chegado no Brasil, estava tão sozinho, a minha vida era tão triste, não conhecia ninguém, quer dizer ninguém assim de conhecer ‘que dava gosto’. Penava eu lá sozinho no morro num barracão de zinco, sem telhado, sem pintura,  sem telefone,  sem o programa do Chacrinha, assim vivia eu no  meu bangalô. Morava eu pertinho do céu, tinha alvorada, tinha passarada , sinfonias de pardais anunciando o anoitecer e vizinhos o dia todo cantarolando aos altos berros “Mamãe eu quero, mamãe eu quero mamar....” Mesmo assim, a minha alma chorava. Rezava eu o tempo todo para a tristeza, de por favor ir embora: Eu já estava vendo o meu fim. 
 
Descia então até à Nascimento Silva e depois para a praia. Ah, se naquela hora ela tivesse sabido que quando ela passava na minha frente na praia o meu mundo inteirinho se enchia de graça e ficava mais lindo. Sonhava eu dia e noite com o seu balançado a caminho do mar. Tanto balanço me fez balançar também e confesso que estava caidão.

  • Mas o que é que são estas caretas que você está fazendo?  indagou o meu amigo Vinícius, lápis na mão, sentado do meu lado por debaixo da barraca que dividimos na praia.
  • Estou sorrindo para ela, mas ela não vê – disse eu, - Estou desesperado.
  • Deve ter o mesmo defeito nos olhos que aquela da Farme de Amoeda- debochava o Vinícius.
  • Olhos assim não podem ter defeito nenhum. Estes olhos castanhos de encantos tamanhos são pecados meus, são estrelas fulgentes, brilhantes, luzentes, caídas dos céus.
  • Vê-lá se não exagere, calma. Vamos cair na água para refrescar?
  • Calma, o que ? Os seus olhos risonhos, são mundos, são sonhos, são a minha cruz, seus olhos castanhos de encantos tamanhos, são raios de luz.
  • Os meus olhos ? espantou-se o Vinícius.
  • Os seus não , porra, os dela.
  • Este papo já está me enchendo. Vou tomar um chopp naquele barzinho na esquina com Prudente Morais, fique você aí delirando.

Logo quando ele se foi embora, peguei nos meus binóculos e focalizei o lugar onde a gritaria dos ‘a-a-ah!’s  competia com o barulho ensurdecedor das ondas que lutavam entre se de quem ia encobrir primeiro o pezinho da coisa mais linda.
Ai, como eu queria ser uma daquelas ondas, mesmo uma das mais pequenininhas  e ser a primeira a lamber os seus dedinhos do pé e depois os seus tornozelos e depois...........

Queria ser este mar todo quando ela for mergulhar e submergir-se nele.
Queria estar envolto dela, ser aquele mar imenso e acariciá-la toda com as minhas correntes  turbulentas tépidas e murmurar no ouvido dela:
” Eu sou aquele Pierrot que te abraçou, que te beijou, meu amor.”

Acontece que logo depois daquele dia a verdadeira e única garota de Ipanema sumiu daquelas pastagens. Ninguém nunca mais a viu e muito menos quis dizer “a-a-ah!” , nem à pau. Desde aquele dia  Ipanema já não era a mesma, pode-se bem dizer que todo o Brasil mudou e entrou em regressão. Mudou tanto que até os militares tiveram de tomar conta.

E querem saber  o que foi, o que houve, o que de fato aconteceu, que fim levou aquela garota do corpo dourado, do sol de Ipanema? 

Pois , ó, foi o papai aqui, ó, que a sacou, levou e papou.  Safanou-se com o maior tesouro do Brasil daquela época. Mas tudo legal e numa boa: casou-se com ela naquela igrejinha no São Conrado numa cerimônia íntima e com o Vinício como padrinho do meu lado.  A “ tall e tender”  da Farme de Amoeda era madrinha dela.

Resumo: Tivemos lindos filhos, uma vida cheia de aventuras e de muita felicidade, pelo menos até aquele dia que ela me esperava por detrás da porta com uma quantidade de rolos na cabeça e um rolo-de-massa na mão.

 

©John Goes, 2007

 

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