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Postado em 02/04/2017

2 DE ABRIL – DIA MUNDIAL DA CONSCIENTIZAÇÃO DO AUTISMO

Colunista Fatima de Kwant
Autor: Fatima de Kwant é correspondente do Projeto Autimates na Holanda e disseminadora de informação sobre autismo na Europa. Mais colunas deste autor

No próximo dia 2 de abril, o mundo celebra o dia do autismo. Apesar de muitas famílias não terem motivos para celebração, por ainda estarem lutando bastante pelos direitos e bem-estar de seus filhos autistas, a data é internacionalmente festejada. É um dia em que todos falam nesta síndrome ainda desconhecida por muita gente. 

Fico pensando no que falar para uma comunidade que não conhece tão bem o autismo. Escolhi alguns tópicos e espero que meu texto faça alguma diferença para os leitores do site Brasileiros na Holanda. 

O autismo é uma condição neurológica que pode afetar a maneira como um indivíduo se socializa, se comunica e como este se desenvolve. É definido como um vasto Espectro cheio de gradações; isso porque este Espectro inclui o mais severo até o mais leve tipo de autismo. Entre os dois extremos, existe uma grande escala de diferente tipos. Ainda que assuste muita gente, o autista não é alguém para ser temido, tampouco desprezado. O autista é, antes de mais nada, um ser humano e como tal,  deseja as mesmas coisas que todo ser humano almeja: ser feliz e ser aceito. Independente de um diagnóstico de autismosevero, moderado ou leve, todo autista tem o direito de ser feliz.Para que isso seja possível é preciso o mínimo de preconceito e o máximo de motivação de todos com quem ele convive, em casa e fora dela. É importante que a família se una a profissionais que entendam a necessidade da criança de se sentir bem, em primeiro lugar. Unidos, deverão traçar um plano onde a seguinte pergunta seja respondida: 
Como podemos viabilizar o bem estar deste autista?  A pessoa que se sente bem, tem vontade de participar e aprender. O autista que se sente bem, não foge à regra. Pais, familiares e terapeutas devem observar a criança autista a fim de possibilitarem instrumentos que viabilizem seu bem-estar e progresso consequente.  

FAMÍLIA
A família é a base de toda criança. Como os pais efamiliares (irmãos, avós, tios etc.) reagem, irá influenciar o comportamento, o bem estar e o aprendizado da criança. A família deve procurar estabelecer uma boa relação com todos os que vão cuidar do autista, incluindo os professores e os profissionais. Autismo é um trabalho de equipe; cada um faz sua parte. Os familiares podem ajudar. É comum pensar-se que o autismo é um problema dos pais. No entanto, as famílias onde há uma ou mais crianças com autismo que dividem emoções e ocupações com outros membros, relatam um grande progresso de seus filhos.

DIAGNÓSTICO
Ao receberem o diagnóstico deTEA (Transtorno do Espectro do Autismo) – o primeiro impacto com a nova realidade do autismo -, muitos pais descrevem a fase como a mais difícil. Todas as ilusões que até então existiam,  são desfeitas. Os planos inerentes a qualquer pai ou mãe em relação ao filho/a é desafiado. Dali para frente, nada será como antes. Porém, o que os médicos e os livros não dizem é que a mudança nem sempre é ruim. Pais precisam reaprender a ter ilusões, porque todo autista se desenvolve! Todo autista pode aprender. Qualquer autista pode chegar ao máximo de sua capacidade.  Nunca se sabe até onde um autista vai progredir. Fato é que as intervenções precoces – os tratamentos, terapias e estimulação intensiva – possibilitam grandes vitórias para os autistas. O diagnóstico não é uma sentença; ele não define o futuro de uma criança autista mas o meio onde ela vive, sim.   

APRENDER A ENSINAR PARA QUE OS AUTISTAS SEJAM ENSINADOS A APRENDER
Os autistas querem aprender, mas muitas vezes não sabem como. A sociedade moderna tenta nivelar os cidadãos, em todos os sentidos. A Educação segue o padrão estabelecido, com seus protocolos e metodologias. Mas, na verdade, somos todos diferentes. Somos distraídos, focados, calmos, agitados, lentos, rápidos, sociáveis, retraídos, etc.  Alguns, como os autistas, um pouco mais que a maioria. Se a natureza humana fosse respeitada, existiriam escolas que adotassem vários métodos em diferentes classes.  A Educação no Ocidente, como conhecemos, exige que todos sejamos iguais. As pessoa neurotípicas(com o desenvolvimento neurológico normal) tentam se adaptar, constantemente, ao que é exigido delas pela sociedade: regras sociais, de comportamento, rapidez e alguma disciplina. Já os autistas, crianças que não se guiam por tais regras, ficam entre a cruz e a espada. Como conduzir esse grupo tão distinto de crianças?Talvez pudéssemos começar usando a nossa criatividade, deixando o paradigma do Ensino tradicional e observando a criança: o que ela gosta de fazer? Como podemos chamar sua atenção e incluí-la nas tarefas? Suas preferências são uma porta para o ensino.  

Exemplos:
1-A criança adora um determinado desenho animado. O professor usa o personagem do seu desenho favorito para despertar o interesse da criança.
2- A criança não é verbal. O professor não insiste falando a mesma frase cinco vezes em seguida, caso ela não reaja ao seu comando. O professor busca meios alternativos de comunicação (pictogramas, tablet, desenhos, música, etc.)
3- A criança não consegue se concentrar na sala de aula. O professor analisa a eventualidade de hipersensibilidade de ordem sensorial e tenta supri-la com:

  • fones de ouvido;
  • carteira separada das outras crianças;
  • o uso de algum material que possa ser manuseado durante a aula;
  • óculos escuros.

 Além disso, o professor sempre pode optar por: 

  • Dar-lhe mais tempo para executar uma tarefa
  • Dispensá-la da execução de uma tarefa,
  • Proporcionar um local supervisionado onde a criança possa ter o seu time-out, caso seja necessário.

 São pequenas adaptações que podem surtir um efeito muito bom na produtividade e no comportamento de um aluno autista. 

APRENDIZADO – TRÍADE: INTERAÇÃO SOCIAL, COMUNICAÇÃO E COMPORTAMENTO DIFERENTE (ESTEREOTIPIAS) 
Quem nunca se achou “meio autista”, alguma vez? Ouvimos muitos dizerem: “todos nós somos um pouco autistas.” Existe um fundo de verdade nessa afirmação, pois todos nós, seres humanos, temos nossas peculiaridades, manias,  medos, e qualquer coisa que não seja considerado normal. Porém, a classificação de autismo é algo bem mais complexo do que as esquisitices que nos definem, individualmente. Para ser diagnosticado autista, deve haver ausência ou diferenciação acentuada em ao menos dois dos três elementos:  Interação Social, Comunicação e Comportamento Típico/normal.  

Interação Social é o contato com as pessoas a nossa volta. Bebês pequenos já interagem com seus pais antes de falar. Eles o fazem através do sorriso, do olhar direcionado e da atenção compartilhada. Com o passar do tempo, a interação vai aumentando: falam, reagem ao que lhes é dito, buscam conforto nos pais, brincam com irmãos ou amiguinhos da escola, etc.   A interação social é uma condição indispensável para o desenvolvimento e constituição das sociedades. Pormeio dos processos interativos, o ser humano se transforma num sujeito social. A interação social é o primeiro passo para a Comunicação.

Comunicação é nosso modo de compreender e fazer-nos compreendidos. Pode ser através da fala, de palavras escritas, gestos, desenhos, pictogramas e até da música. Muitos autistas se comunicam, mas não falam. A ausência da fala não significa, obrigatoriamente, que uma pessoa autista não possa se comunicar. Muitos autistas falam, mas não se comunicam. Eles comunicam o que querem ou quando querem. É o caso da pessoa que fala somente sobre seu tema de interesse, sem perguntar ou ouvir o que o interlocutor tem a dizer; ou o autista que só emite informação, mas não dialoga. Neste caso, não é uma comunicação EFICIENTE. A comunicação é essencial para  a participação de um indivíduo na sociedade.  

Comportamento é o modo como a pessoa (re)age.Para o autista conviver razoavelmente bem (comportamento), socialmente, ele precisa entender (comunicação) o que se espera dele. Uma vez entendido, há chances de que queira interagir. Por isso a interação, a comunicação e o comportamento acabam sendo interdependentes; um elemento “funciona” melhor com o outro. Estimular o bom andamento da tríade é preciso. Os pais, os professores e os terapeutas devem observar a criança, suas necessidades específicas e, como tal, traçar um plano individual de desenvolvimento. Para isso, é preciso que se desviem um pouco do padrão, respondendo às perguntas:

  • O que a criança precisa?  
  • Do que gosta?
  • Do que não gosta?
  • O que lhe transtorna tanto, a ponto de desencadear um surto?
  • Quais são seus talentos?
  • Quais suas dificuldades?
  • Observações extremamente importantes (por exemplo: tem mania de fugir.)

AUTOESTIMA
Segundo a cientista Martine Delfos, os autistas sentem muita vergonha de si e têm, muitas vezes, a autoestima baixa. É preciso levantar sua sensação de valor. Ele precisa se sentir importante. Ninguém melhor que sua família para saber como faze-lo. Faça um elogio sincero. Ela tem algum talento? Elogie muito, com vontade! Ela tem olhos bonitos, diga isso a ela. Ela sabe esperar? Cumprimente-a por saber esperar tão bem! Pessoas com boa autoestima sentem-se bem. Pessoas que se sentem bem, são receptivas; pessoas receptivas, aceitam aprender.

EMPATIA
A falta de empatia do autista é um MITO. Os autistas sentem as situações de um modo diferente dos demais, mas sentem. Exemplo: Vocês conhecem a criança autista que se afasta de sua mãe quando ela chora e diz estar triste?… Falta de empatia? Não. Simplesmente aquela criança não sabe o que fazer com a tristeza de sua mãe. Ela sofre porque sua mãe sofre, mas não REAGE do modo que sua mãe espera. Ensine-a. Diga que está triste, pegue a mãozinha dela e passe na sua própria cabeça. Enxugue suas lágrimas com a mãozinha dela. Permita que seu filho aprenda o modo comum de externar o que sente. Lembre-se que a criança autista só precisa de mais treino que a maior parte das crianças.  

Essencial para o convívio, seja em casa, na escola ou em qualquer outro lugar, é o entendimento das regras sociais. Muitas são exageradas, mas outras são essenciais. Voltando ao que disse acima, os autistas são capazes de aprender tudo, eles são capazes de aprender as regras básicas do convívio social. Note bem: a família, a escola ou o ambiente onde o autista circula deve prestar constante atenção às regras que impõe ao autista.  

Não exija demais dele. Inclua as regras aos poucos.Exemplo: os pais querem que a criança sente-se à mesa sem levantar; querem que coma tudo o que está no prato; querem que não fale de boca cheia; querem que cumprimente uma visita; querem que peça licença antes de se levantar etc. Boas regras, mas demais para serem atendidas ao mesmo tempo. Simplesmente, tenham paciência com os autistas.  

Os autistas, muitas vezes, podem tudo o que outros podem, mas provavelmente irão aprender de um modo diferente, mais lenta ou rapidamente. Seja criativo. Ouse experimentar. Relaxe. Aprecie as oportunidades que esta criança lhe oferece. Pais, esqueçam o sofrimento e visualizem um futuro feliz. Pergunte-se o que é mais importante no momento. Siga sua intuição. Professores, agradeçam a oportunidade de poderem lembrar o porquê de terem escolhido a profissão: a missão (desafio) de ensinar.

Médicos e terapeutas, não condenem o autista antes dele ter tido a chance de crescer no seu próprio tempo. Quando derem o diagnóstico, ou tratarem de um autista, enumerem suas qualidades, ao invés de computarem somente suas limitações. Ousem escapar do paradigma do autismo como doença ou deficiência.  

As principais limitações dos autistas são consequência de suas comorbidades (síndromes, doenças ou distúrbios que podem ter alem do autismo): hiperatividade, depressão, ansiedade, Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), bipolaridade, Transtorno Opositor Desafiador, Transtorno Sensorial, etc.  

O autista pode ser uma pessoa feliz e ter uma qualidade de vida muito boa, independente do seu nível de funcionamento.  O autista também conta com você para que isso aconteça. Quando vir um autista, não sinta pena; pergunte se pode ajudar, elogie o que ele faz de bom, não julgue, não desista de falar com ele, caso não olhe nos seus olhos – não é falta de educação: ele pode estar processando o que você diz e olhar nos seus olhos pode atrapalhar este processo. Não pense que ele tem uma deficiência intelectual caso não fale; ele pode saber mais do que você, apesar da ausência da fala. Ao mesmo tempo, não o superestime caso fale muito bem; ele pode ter um grande desafio interno (medo ou depressão). No autismo, muita coisa não é o que parece.  

Espero que o leitor tenha apreciado as informações e que lembre-se delas no próximo contato com um autista.