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Sérgio Godoy é paulistano, graduado em Artes Visuais: Central Saint Martins School of Art , em Londres. Participou de várias antologias literárias no Brasil e alguns de seus poemas foram publicados em Poetry Review UK.

RESULTADOS DE UMA PAIXÃO

Sérgio Godoy

“Eis meu lar, minha casa, meus amores”
(Casimiro de Abreu)

O vento assombra Amsterdã. Nas calçadas, um longo carpete de folhas secas implica a passagem de uma senhora que cautelosamente conta seus passos; frágil resultado de uma idade avançada. Às vezes, o sol aponta-se timidamente, para logo desaparecer entre as nuvens escuras deste sábado introspectivo.Da janela observo a manhã que vai passando em total indiferença. Há festa do outro lado da rua; balões coloridos enfeitam a porta de um dos apartamentos, mulheres e homens vestidos formalmente, como todo convidado de casamento deve vestir-se.

Os noivos chegam em carro aberto, decorado com dois buquês de rosas brancas e dois fotógrafos os rodeiam, sugerem poses, risos… O vestido da noiva é como um pássaro branco de asas quebradas, tenta levantar vôo mas permanece, onde mãos delicadas o seguram. O noivo beija a amada, passa os dedos entre o curto cabelo, ajeita a gravata. O vento agora é substituído por alguns pingos de chuva, a noiva sente frio, correm para dentro.

Para muitos o casamento é um sonho realizado; a união sagrada de dois indivíduos que se amam e prometem amor até que a morte os separem. Pode também representar uma união financeira e a realização natural de constituir-se uma família. Já participei de vários casamentos aqui na Holanda e como não sou nem um pouco apaixonado por tal evento, devo confessar que em todos senti-me entediado.

Na Holanda, os convidados assistem à cerimônia, cumprimentam os noivos e, muitos voltam para casa. Os amigos mais próximos e parentes acompanham os noivos para uma tarde aconchegante de drinks, poses e sorrisos. Outros esperam a hora noturna para a confraternização em um salão de festas com música e bebidas. Tudo depende de boas idéias, organização e dinheiro disponível para um bom entretenimento. Os noivos escolhem o que desejam ganhar; amigos e familiares se responsabilizam pela arrecadação do dinheiro e a compra do presente. Assim evita-se o mau gosto de alguém aparecer na igreja com um liquidificador debaixo dos braços. Provavelmente depois de alguns meses a mulher já está grávida e logo nasce o primeiro filho. Bem, essa história todo mundo já conhece, assim como também naturalmente, para muitos casais, o divórcio pode chegar em curto prazo de tempo; maravilha! Ninguém é obrigado a ficar com ninguém depois que a “paixão revela-se insuficiente”. Mas há também a obrigação social, o empréstimo no banco, a educação das crianças, a pensão a ser paga, o seguro saúde…

Fica apenas na memória; beijos ardentes, noites encantadas, corações entregues às ilusões naturais de dois corpos que se envolvem. E depois do lar estar pronto e da rotina dos compromissos, duas faces refletem no espelho; duas diferentes faces, com outros desejos, outras escolhas e preferências.

O choque em descobrir que tão pouco conheciam um do outro, que entregues ao calor exubertante da pele, dos poros abertos, prometiam um ao outro infinita permanência. E então surge o peso de uma ingrata conseqüência; a errônea conquista de um espaço limitado, a falta de respeito por individuais desejos e assim já é tarde demais: filhos rolam no tapete, o curso na universidade, interrompido, a carreira esquecida. Frustrações acumulam e degeneram sonhos, causam discussões, humilham. Mas para àqueles que ultrapassam o fervor da paixão e chegam ao amor, o olhar floresce em alegria, compreenção, satisfações mútuas em todos os componentes de uma família. Mãos envelhecidas abrem o albúm de fotografia e relembram o dia, o dia mais importante de suas vidas.

Meu silêncio é interrompido por gritos. A vizinha do apartamento ao lado grita, e por um momento penso que está torcendo pelos atletas holandeses que competem sob o céu de Afrodite, mas não, ela está mesmo é se defendendo dos tapas do marido. Fico sem saber o que fazer; devo pedir ajuda, colocar-me entre os tapas? Espero, até ouvir o estrondoso bater de portas e passos na escada que resumem ao retorno do silêncio.

Olho para fora e do outro lado da rua os convidados saem do apartamento, dispersam-se para os lados e logo em seguida os noivos entram no carro acompanhados por outras pessoas e partem. Ficam apenas os balões, unidos um ao outro, dependurados na parede, reluzindo contra o fraco sol como eternizadas pérolas.

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