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A dentista Eliane-Bronsema Teixeira Cardoso e mora há 19 anos na Holanda foi convidada para integrar uma comissão nacional responsável por orientar instituições especializadas no tratamento bucal de idosos e pacientes com doenças crônicas.



Heloisa Dallanhol - Seus primeiros tempos longe do nosso país não foram nada fáceis, principalmente porque seu diploma não foi reconhecido. Como foi esta decepção?
Eliane - Eu era dentista no Rio de Janeiro, especializada em odontopediatria, e durante 13 anos tive meu próprio consultório. Quando cheguei na Holanda, estava totalmente convicta que poderia exercer minha profissão porque quando ainda estava no Brasil, tive diversos contatos com o Ministério da Saúde daqui através de cartas. Eles me responderam que eu poderia trabalhar na Holanda mediante algumas condições: que dominasse o idioma e encontrasse um colega dentista que pudesse observar e julgar meu trabalho, pois era uma das exigências.

HD - Durou muito o choque inicial ou a fase de adaptação?

E - Entre ter filhos, aprender holandês e procurar um dentista que fosse meu orientador, passaram-se quase 7 anos. Durante este período entrei em contato com universidades e instituições de odontologia, escrevi muitas, muitas cartas para colegas dentistas e às vezes sequer recebi resposta!!!

HD - Mas após tantas tentativas você conseguiu alguém gabaritado, ainda que não tenha sido a solução definitiva.
E - Realmente, um professor da Universidade de Groningen me "aceitou" para eu trabalhar com ele em um centro odontológico especializado para excepcionais, mas veio a falecer por causa de um câncer. Porque eu ainda não tinha o tempo de prática  necessário, não foi possível revalidar meu diploma. Decidi então estudar para ser higienista bucal, pois poderia  fazer o curso em apenas 2 anos. Também porque prevenção bucal, uma das bases da higiene bucal, era uma especialidade da odontologia na qual eu já tinha bastante experiência clínica.

HD - Uma vez concluída tal formação, foi difícil competir com os holandeses em igualdade de condições?
E - Muito! Para isso tive que escolher uma área em que ninguém ou poucos se atreviam. Optei pela odontogeriatria (para tratar de idosos), porque acho que esta vai ser a odontologia do futuro. O mundo está envelhecendo e as pessoas mantêm seus próprios dentes cada vez por mais tempo, em consequência de fatores como melhores hábitos de higiene bucal, aumento da qualidade de vida, avanços nas áreas da saúde e educação.

A odontogeriatria não se limita à produção de dentaduras - que aliás vai ser coisa do passado dentro de alguns anos! Ela difere das demais especialidades por tratar o paciente como um todo. O profissional desta área odontológica precisa ter uma noção geral do quadro biológico, psíquico e social do paciente idoso.

HD - Sua escolha tem se mostrado acertada?
E - Devagarzinho estou sendo recolhecida pelo que eu faço, acho que por causa do meu entusiasmo e de muita persistência. Ou porque ainda não existe muita concorrência nesta área.

HD - Não podemos esquecer que você integra uma equipe de profissionais responsáveis por elaborar as regras para o tratamento odontológico de pessoas muito especiais. Às vezes nem acredito! Uma brasileira entre os "cobrões" holandeses!
Você poderia explicar melhor este triunfo?
E - Desde janeiro de 2004 faço parte de uma comissão multidisciplinar - composta por médicos, higienistas e dentistas, entre outros. Estamos fazendo protocolos para os cuidados bucais em pacientes com doenças crônicas e idosos. Quando tudo estiver pronto, as instituições especializadas  deverão trabalhar conforme nossos conselhos. Este é um projeto muito importante porque até agora não existe nada nesse sentido.

HD - Participar desta equipe é apenas uma das suas diversas atividades. Como é seu ritmo de trabalho no presente?
E - Atualmente trabalho com um colega dentista em um consultório e em duas casas para idosos. Estou me especializando em problemas como boca seca e cuidados bucais em pacientes terminais. No meu pouco tempo livre me dedico a uma associação (Brazilië-Holland Stichting) que tem por objetivo angariar recursos financeiros para ajudar crianças carentes no Brasil. Para tanto, promovemos a tradicional festa de carnaval em Gronigen, além de outras atividades.

HD - Para finalizar, que mais você aprendeu em quase duas décadas vivendo na Europa?
E - A experiência de quase 19 anos na Holanda me ensinou que não existe um país melhor que o outro, mas sim diferenças. E com elas temos que aprender a conviver! Nem sempre o caminho é coberto de rosas: existem muitos desafios a enfrentar. Depois de tantas  lutas, vitórias, alegrias, decepções, cheguei à conclusão que o lugar ideal está dentro de nós mesmos, basta a gente procurar. Hoje vivo em paz com a Holanda e comigo mesma. Acho que minha história é bem parecida com tantas outras de outros brasileiros que por aqui vivem, mas talvez possa servir de exemplo para alguém.

Foto tirada com a
ministra de desenvolvimento social, mw. Ardenne- van der Hoeven  em uma das
atividades de associação Brazilië- Holland Stichting.

 


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