Francisco
Rezek
A voz forte do Brasil na Haia
Texto:
Arnild Van de Velde
Fotos: Márcia Curvo
O
juiz Francisco Rezek - da Corte Internacional
de Justiça (CIJ) de Haia - é um
homem público atípico.
Se por um lado sua fala pausada
e elegante expressa o comedimento
peculiar aos bem-educados, por
outro, soa eloqüente, quando
o objetivo deste brasileiro que já foi
ministro das
Relações Exteriores
(no governo de Fernando Collor
de Mello) e ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) é dizer
o que pensa, sem medo de ferir
as convenções
do chamado "politicamente
correto".
Em
tempos recentes, por exemplo, ele
impressionou a cena internacional,
ao abertamente questionar os
critérios adotados pelas Nações
Unidas para a instalação
do tribunal especial que, na própria
Corte de Haia, vem julgando o ditador
sérvio Slobodan Milosevic
e seus crimes de guerra. Causou maior
impacto ainda, ao espicaçar
o "ativismo
de juízes
nacionais, com destaque para os belgas", que encontram tempo para
achar que "podem
julgar crimes que não são de sua competência,
baseando-se apenas num suposto princípio de justiça
universal", como
referiu-se àqueles
que buscaram projeção mundial através de intervenções
além das alçadas regionais, às quais estavam
limitados.
O
espírito desafiador
de Francisco Rezek, "um
filho tardio" (segundo
suas próprias
palavras); de uma família
de origem libanesa, tem,
contudo, pouco a ver
com uma suposta necessidade
de suscitar polêmicas
e muito com o senso de
liberdade que a natureza
capricorniana – completou
61 anos em 18 de janeiro
- lhe confere. Contrariando
a tradição
familiar de
seguir uma carreira na área
da Medicina, por exemplo,
graduou-se em Direito
e tem integralmente dedicado
sua vida profissional
ao Serviço
Público.
Ainda
recém-formado,
disse "não" a um doutorado
por uma universidade americana
- o que lhe garantiria um
futuro brilhante quando da
volta ao Brasil - e preferiu,
por romantismo, a francesa
Sorbonne, de onde, em 1968,
acompanhou os protestos que
mudariam a história
recente da civilização.
Em Paris, munido de uma modesta
bolsa de estudos (EUR 80,
nos dias atuais), teve a
oportunidade invejável de
conviver com gente como o
franco-alemão
Daniel Cohn-Bendit (ícone
da época,
hoje no Parlamento Europeu),
o filósofo
Jean-Paul Sartre, a atriz
Juliette Greco, entre
outras personalidades
marcantes daquele momento.
Candidato, 'jamais'
Testemunha dos anos
da ditadura militar
no Brasil - que assassinou
seu amigo José Carlos Mata Machado,
Rezek dá ainda outro exemplo de
sua
contundência, ao afirmar que "não
se pode mentir a respeito de certas
realidades", ao comparar os graus de
violência e obscurantismo nos
regimes militares da América Latina
e concluir que a versão brasileira
foi 'mais branda' do que as do Uruguai
ou Argentina e, sobretudo, a do
Chile. Apesar da opinião forte
e do discurso incisivo, nunca se sentiu
inclinado a filiar-se a um partido político.
Por esta razão, jamais
seria candidato, apesar de não
descartar a possibilidade de retomar
uma função pública – se
convidado - quando o mandato de nove
anos,
como juiz da CIJ, terminar em fevereiro
de 2006. Entre as funções
que
desempenha na Corte, está a de
membro do Comitê de Assuntos Ambientais,
criado para estudar casos em que estes
sejam componentes principais, a exemplo
da questão Gabíckovo-Nagymaros,
envolvendo barragens do rio Danúbio,
entre a Hungria e a Eslováquia.
De
Minas Gerais...
A
trajetória que levaria
Francisco Rezek para muito distante
de Cristina (sua cidade natal,
no sul mineiro) começou
muito cedo. A
primeira parada foi na vizinha Santa
Rita do Sapucaí, de onde,
aos 16
anos, partiu em direção
a Belo Horizonte, para estudar no
legendário
Colégio Arnaldo, por onde
passou também Carlos Drummond
de Andrade. "Eu
sou da primeira geração
de mineiros do sul de Minas que foram
estudar em Belo Horizonte. Antes
todos iam para São Paulo,
que era mais perto", lembra ele. Os
anos no Arnaldo lhe despertaram o
interesse pela área de Ciências
Humanas e os da Sorbonne revelaram
a ele a tênue linha que separa
a transformação social,
baseada na defesa
dos direitos dos cidadãos,
do ativismo político fadado
ao fracasso.
Ao
descrever aquele período
de sua vida, o doutor em Direito
Público,
professor consagrado de universidades
no Brasil e eminente palestrante
de instituições
estrangeiras, fica nostálgico
e diz não poder evitar "uma
enorme saudade do 'espírito'
da época". "A
busca de formas variadas de poder
e riqueza é uma
coisa que, abertamente, inúmeros
estudantes
brasileiros hoje assumem. Naquela época,
isso soaria como uma
obscenidade, era impensável
alguém
declarar que tinha outra ambição
que não aquela de fazer
um bom trabalho, em benefício
sem dúvida
da
própria sobrevivência,
mas também do país,
da coletividade".
Em tom
enfático, Rezek deduz que "é possível
que as pessoas hoje apenas tenham
se tornado mais realistas".
...para o Mundo
O universo cosmopolita do juiz,
um ex-fumante, inclui
o apreço particular pelos
vinhos franceses da Borgonha
e um paladar exigente, quando
o assunto é um prato de
arroz branco "na sua forma mais
simples" com
couve, tutu e lingüiça
mineira tradicional, fina e bem
passada. As
preferências alimentares de
Francisco Rezek, entretanto,
não
chegam a afetar seu porte esguio, revelado
pelo terno impecavelmente talhado.
Entre suas habilidades domésticas
estão
capacidades de organizar
e consertar coisas, a exemplo
do termostato do aquecedor que,
ao quebrar na noite anterior à nossa
entrevista, deixou o juiz às
voltas com as severas temperaturas
do inverno europeu.
O espaçoso gabinete que ocupa
no anexo do Palácio da
Paz, sede da CIJ, é decorado
com sobriedade, e avista para
o jardim interno do edifício,
uma das maiores atrações
turísticas da cidade.
Discretamente colocada à direita
de quem entra, a bandeira de
Minas Gerais destaca-se entre
os livros arrumados na estante
de parede inteira. Sobre a organizada
mesa, uma fotografia da segunda
esposa – que
vive em Paris com a filha pequena
do casal, a edição
do dia do Le Monde e uma xícara
de café,
servida por Maureen Sullivan,
a secretária
inglesa.
Francisco Rezek, o homem do mundo,
considera a entrada do porto do Rio
de Janeiro, em dia de boa visibilidade, "a visão
mais suntuosa que os olhos humanos podem
ter". Nâo lê best-sellers
e acalenta o sonho de voltar às
salas de aula, assim que estiver liberado
das obrigações fora do
Brasil. Essas e outras revelações à reportagem
de "Brasileiros na Holanda", fazem parte
da entrevista exclusiva que o juiz concedeu
ao site numa manhã cinzenta
de fevereiro, na Haia.
Avdv – O
que o senhor ainda guarda do
mineiro de Cristina?
Francisco Rezek – O último
brasileiro que esteve nesta corte, antes
de
mim, foi José Sete Câmara,
cujo mandato terminou nove anos antes
de o
meu começar. Era uma pessoa de
grande qualidade, um brasileiro notável
a todos os títulos, um mineiro
que teve uma vida cosmopolita desde
muito jovem. Apesar disso, ele obstinadamente
manteve o sotaque
mineiro até o fim de seus dias.
Eu sou de uma geração que
aprendeu a
falar de "um modo federal", por influência
de algumas professoras que
diziam: "Para você falar de um
modo correto, que não lhe identifique
pelo sotaque, ouça a Rádio
Nacional do Rio de Janeiro". Então,
o que
eu não guardei de Minas Gerais
foi o sotaque – porque não
o tive – mas
acho que guardei tudo o mais. Eu acho
que as minhas características
são essencialmente mineiras. Isso
tem a ver com o temperamento um
pouco crepuscular – o poeta Carlos
Drummond de Andrade falava isso.
Nós mineiros temos algumas coisas
dos profetas do adro de Congonhas do
Campo. Temos uma tendência a essa
'não-euforia', a esse estilo
crepuscular. Ele próprio (Drummond)
tinha muito isso. E eu sou dessa
linha de 'mineiridade', embora eu seja
do sul de Minas Gerais, que é
uma região considerada mais alegre
do que aquela parte de onde vem o
poeta (Itabira, cidade onde nasceu o
escritor, fica no centro do estado) de
onde vem o minério de ferro, onde
a paisagem é mais dura, mais sombria
e os temperamentos são mais fechados.
Eu tento guardar
fidelidade a algumas virtudes mineiras
como a lealdade, a devoção
ao
trabalho, o modo responsável de
encarar a vida, além, daquelas
compartilhadas por outros brasileiros,
até em maior grau, como a
generosidade.
Avdv – O senhor concorda
com a máxima de que o mineiro é um
ser essencialmente desconfiado?
Rezek – Eu acho
isso uma lenda. Falava-se no passado
da desconfiança
típica do mineiro. Isso talvez
tenha sido um exagero criado, uma lenda
produzida a partir de um tipo de mineiro
interiorano. Um tipo extremamente simples,
dos lugares mais escondidos do nosso
interior. A
lenda baseava-se na reação
deste mineiro a outros mineiros vindos
de
lugares maiores. Tenta-se generalizar
a desconfiança como uma
característica mineira, mas ela
tem muito mais a ver com a roça
do que
com a essência mineira propriamente
dita.
Avdv – Durante os anos
como estudante, o senhor acompanhou as
transformações políticas
e sociais, no Brasil e no exterior. Alguma
vez se sentiu um revolucionário?
Rezek – Eu
fazia parte de uma "esquerda
não comprometida". Nós,
que praticávamos essa esquerda
independente tínhamos uma
visão crítica, na realidade
lamentávamos a situação
daqueles que pertenciam a grupos
organizados, excessivamente bitolados.
O autêntico espírito
de esquerda da época, creio,
rejeitava esse tipo de coisa. A convivência
entre os grupos, porém, era
não somente pacífica
como também construtiva. Eu
sou de uma geração
em que muitos foram presos e mantidos
fora das universidades. Alguns morreram
e entre eles, um bastante ligado
a mim, o José Carlos Mata
Machado, que foi morto por agentes
da Delegacia de Ordem e Política
Social (DOPS), que simularam um tiroteio
que nunca houve. Aquele realmente
foi o momento mais tenebroso do regime
militar. Eu estava de passagem por
Paris quando recebi a notícia
da morte de José Carlos e,
quando voltei ao Brasil, manifestei
todos os sentimentos de todos, pelo
colega morto.
Avdv – Então
o senhor foi mais um observador
do que um ativista político.
Rezek – O
ativismo naquela época, já no
meado dos anos 70, sobretudo o revolucionário,
combatente, não tinha futuro
e nós sabíamos disso.
Mas não se tratava de uma
posição de observação.
Um procurador da República
(Francisco Rezek fez concurso para
o cargo no início dos anos
1970), junto ao Supremo Tribunal
Federal (STF) pode falar ao Tribunal
em vários assuntos. Por exemplo,
havia recursos contra decisões
do Superior Tribunal Militar, que
na época tinha competência
para julgar civis – eram os
chamados 'crimes contra a segurança
do Estado' – e através
do STF, que era muito sensível
ao assunto, fazia-se algum trabalho.
Até porque, justiça
seja feita, nós nunca enfrentamos
uma situação igual àquela
que reinou no Chile durante tantos
anos.
Avdv – Apesar
de ter a vida profissional inteiramente
dedicada ao Serviço Público,
o senhor jamais se candidatou
a qualquer cargo político.
Por que não o fez?
Rezek – Sempre
tive muita resistência à participação
em partidos políticos. Meu
senso de independência e minha
resistência à idéia
de pertencer a grupos influem muito
sobre essa questão. Tenho
muita dificuldade em ser associado
de carteirinha.
Avdv – O
senhor, o juiz Francisco Rezek,
destacou-se recentemente por
criticar alguns julgamentos levados
a cabo nesta Corte de Justiça
Internacional. Isso não
seria irreverência?
Rezek – Eu
nunca tive, por causa da condição
de juiz, um sentido de continência,
de que estou proibido de falar as
coisas como penso. Sobretudo quando
acho que dizer o que penso possa
ter alguma utilidade. O que vinha
acontecendo era uma lástima.
Primeiro criavam-se tribunais, como
para a ex-Iugoslávia e para
Ruanda, por força de um jogo,
uma combinação de determinados
interesses políticos no âmbito
das Nações Unidas,
sem que as pessoas de boa fé possam
entender porque estes – e não
outros – iriam a julgamento.
Que história é essa,
de se fazer uma justiça penal
internacional à base da montagem
de tribunais provisórios,
pelo Conselho de Segurança
da ONU, que não representa
a coletividade, como sua Assembléia
Geral representaria? Do outro lado,
havia o ativismo de juízes
nacionais, com destaque para os belgas
e, num determinado momento, para
o juiz espanhol Balthasar Garzón,
que é uma pessoa por quem
tenho amizade e consideração.
A criminalidade na Bélgica,
sobretudo em alguns casos envolventes
de perversidade, é para o
tamanho do país, uma coisa
que surpreende os estrangeiros. Por
que estes juízes acham que
têm tempo para julgar crimes
que não são de sua
competência interna? No caso
da Espanha (relacionado ao julgamento
do ditador chileno Augusto Pinochet),
o juiz Garzón alegou que havia
espanhóis entre as vítimas
do regime autoritário no Chile.
Isso faz algum sentido, embora a
competência para julgar Pinochet
seja dos chilenos. Os belgas e seus
interesses no ex-Congo belga, não
tinham nem isso.
Avdv – O
caso Milosevic, de grande repercussão
internacional também não
foi poupado de suas críticas.
Rezek – O
caso europeu é bem mais típico.
Por que a ex-Iugoslávia e
não outros cenários
da Europa contemporânea, onde
atentados contra os Direitos Humanos
aconteceram sistematicamente, por
obra do Estado? E por que este julgamento
envolve apenas membros de uma etnia,
dentre as várias etnias que
participaram daquela guerra civil
tão sangrenta, cheia de acusações
recíprocas. É de conhecimento
público o fato que, neste
conflito, ressentimentos antigos,
que estavam represados pelo regime
comunista, de repente vieram à superfície
e as pessoas se hostilizaram com
uma agressividade sem paralelo. Não
foi só a etnia dos sérvios,
mas outras também, que fizeram
esta guerra.
Avdv – A
instalação do Tribunal
Penal Internacional (TPI), mesmo
sem aparticipação
dos Estados Unidos, resolverá este
problema?
Rezek
- A minha visão,
compartilhada pelos colegas na
Corte Internacional de Justiça, é grandemente
positiva em torno do TPI e do
que ele representa. Do que ele
significa para o futuro. Com
o Tribunal instalado, os equívocos
do passado recente – que
era visto por nós como
muito imperfeito e defeituoso,
inclusive do ponto de vista ideológico
- não se repetirão.
Os assuntos criminalidade internacional
e crimes contra os Direitos Humanos,
crimes de guerra e contra a humanidade
devem ser tratados internacionalmente,
por um órgão como
o TPI. Todas as outras experiências
foram grosseiras na sua falta
de lógica, na sua falta
de universalidade, nas sérias
dúvidas que têm
a ver com a motivação
dos juízes nacionais,
que quiseram entrar na cena internacional
daquela maneira. Agora, ele funcionaria
melhor, perfeitamente, se todos
os países lhe dessem apoio,
através da ratificação
do Estatuto de Roma (que estabeleceu
as regras de implantação
do TPI). Se alguns países
estão fora, isso sem dúvida
atrapalha, mas não inviabiliza
o Tribunal, até por que
o procurador não está impedido
de formular acusações
contra nacionais de países
não-membros. Apenas ele
não poderá ter
a disponibilidade física
dessas pessoas e o julgamento
não chegará ao
fim.
Avdv – Um
caso para o TPI seria o julgamento
dos torturadores americanos da
prisão iraquiana
Abu Ghraib.
Rezek – Sim,
mas à base
da complementaridade. A administração
militar americana já julgou e
processou alguns destes acusados e, em
alguns casos, aplicou condenações.
Por outro lado, o TPI poderia atuar caso
houvesse convicção de que
o processo não foi sério,
de que as absolvições fossem
injustificadas. A nacionalidade dos acusados,
porém, impediria o julgamento.
Já no caso da absolvição
de uma pessoa de um país-membro
do TPI, em seu próprio país,
sobre a qual é possível
se dizer que não houve justiça,
ao procurador é permitido levantar
a questão.
Avdv – Sessenta
anos depois do final de Segunda
Grande Guerra, a Europa dá sinais de grande
tensão social e há uma
tendência generalizada ao ufanismo
e xenofobia. O quadro é alarmante?
Rezek – Sim,
para os que de algum modo dependem
de se integrar na Europa, tendo vindo
de longe. Para os que acompanham à distância
esse fenômeno, ele é desalentador.
Avdv – No
Brasil, o assassinato da freira
americana Dorothy Stang expôs, mais uma vez, a delicada
questão da distribuição
de terras no país.
Rezek – A questão da Reforma
Agrária, com a qual a morte da
freira está relacionada, continua
sendo um problema grave no Brasil de
hoje. As resistências à reforma
do uso da terra, a dificuldade que o
poder público tem em realizá-la
de maneira completa e satisfatória,
o desencadear de forças sociais
que pretendem reagir ao que chama de "inércia
do poder público", tomando
a iniciativa da ocupação
e assim por diante, formam um contexto
lamentável. Há muitos anos,
quando eu ainda estava no Supremo Tribunal
Federal, eu lamentava a lentidão
com que a Reforma Agrária vinha
sendo feita no Brasil. Até os
abusos do Movimento dos Sem-Terra (MST),
cuja existência ninguém
nega, são conseqüências
inevitáveis daquilo que o poder
público até hoje não
conseguiu realizar de maneira convincente.
Avdv – O
governo do presidente Lula da
Silva o decepciona, então?
Rezek – É um
pouco difícil, abordar um tema
político. Parte do eleitorado
do presidente da República se
diz decepcionada por coisas que ele e
o seu governo decidiram e que revelam
perfeita responsabilidade. Contenção
de gastos públicos, manutenção
de uma política monetária
que não oferece alternativa e
da qual não podemos nos liberar.
São decepções injustas,
por que nesse domínio o governo
faz o que deveria. Agora reconheço
que existem domínios em que eram
justas as expectativas – eu próprio
esperava mais – e um deles é o
da Reforma Agrária.
Avdv – O senhor,
que foi ministro das Relações
Exteriores no governo Collor de Mello, consideraria
participar deste ou de qualquer outro governo?
Rezek – Não
descarto. Só não seria
candidato a nada.
Avdv - O Rio
de Janeiro, que o senhor tanto
aprecia, é uma
cidade perdida?
Rezek - É uma
cidade que ainda enfrenta dificuldades,
mas que em breve terá administrado
sua organização social
e o problema da segurança coletiva,
para brilhar então, mais do que
nunca.
Avdv – Como
integrante do Comitê de Assuntos Ambientais
da CIJ, o senhor acredita na chamada "internacionalização
da Amazônia"?
Rezek – Isto é uma
bravata que personalidades arrogantes
do hemisfério Norte, que imaginam
que têm autoridade – por
que seus governos têm autoridade – para
expropriar um espaço soberano,
de um país independente. Isso é uma
bravata na qual nem se deveria prestar
grande atenção. Mas a melhor
maneira de responder a essa pergunta
foi encontrada pelo ex-reitor da Universidade
de Brasília, professor Cristovam
Buarque, que escreveu sobre esse tema
específico. Se querem internacionalizar
a Amazônia, que o façam
com outros patrimônios da humanidade.
Por que o Museu do Louvre tem que está sob
a guarda do governo francês, da
soberania francesa, se aquilo que está lá dentro
tem tudo a ver com o apetite universal
de cultura e beleza? Então o artigo é primoroso,
hilariante e responde à questão.
Depois do que Cristovam escreveu, ninguém
precisa falar mais nada para desmoralizar
esta tese arrogante.
Avdv – Diante
de tantas discrepâncias no mundo moderno, é possível acreditar
na existência da Justiça?
O que lhe motiva a desempenhar o
papel de juiz de uma Corte Internacional?
Rezek - Acredito
que não
há salvação fora do
Direito, e que é importante poder
proclamar o Direito, desta tribuna, em hora
de crise como a que estamos vivendo.
Avdv – O
senhor é religioso?
Rezek – Sim.
Tive uma educação católica,
e tento ser fiel àquilo que
mais me inspira na doutrina da Igreja
sobre a condição humana.
Avdv – O
que gosta de ler, quando não
está trabalhando?
Rezek – Não tenho leituras
especiais regulares. A única coisa
que eu
evito são best-sellers.
Avdv – Nem
mesmo leria o aclamado "Código
da Vinci"?
Rezek – Nunca,
nunca. Eu jamais me deixaria seduzir
por uma leitura
deste tipo. Houve uma única exceção
na minha vida, quando, nos anos 80, foi
editado um pequeno livro chamado "O
Perfume" (do autor alemão
Patrick Süsskind). Foi a única
vez na minha vida e que, olhando um livro,
lendo sua primeira página
numa livraria, eu o comprei e levei para
a casa e li com prazer. Foi o único
best-seller que li na vida.
Avdv – Mas
nem mesmo ficção?
Rezek – Sim,
ficção
eu leio. Mas tenho uma ordem de prioridades.
Eu tentei exercer essa ordem desde muito
moço, porque no espaço
limitado de uma vida humana, a gente
não
vai conseguir nem ver, nem ler tudo. É preferível
então
selecionar e fazer um projeto de leitura.
Nesse momento estou lendo, dentro dessa
fila, um romance que tinha lido há alguns
anos a tradução
para o inglês. Agora estou lendo
a tradução brasileira,
porque o português
melhor traduz a língua russa do
que o inglês. É "O
Mestre e Margarida", de Mikhail
Bulgakov.
Avdv – O que pretende fazer quando
seu mandato terminar aqui na Haia?
Rezek – Como
não
terei mais trabalho aqui, pretendo manter
o apartamento de Paris até tomar
uma decisão definitiva. Mas devo
ficar muito em São Paulo também.
Estarei no eixo Paris-São Paulo.
Minha volta ao Brasil será, sobretudo,
uma volta à sala de aula, que
me faz muita falta.
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