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Postado em 10/12/2009

Férias no Brasil

Colunista Diversas
Autor: Diversas Espaço reservado para publicação de textos de colunistas esporádicos. Quer contribuir com um texto? Basta enviá-lo para ser analisado pela nossa editoria que dentro de poucos dias você terá a resposta se foi aprovado para publicação. Mais colunas deste autor

Autora – Adriana Mattos é carioca, doutora na área de ciências médicas e farmacêuticas pela RUG, em Groningen e mãe de 3 filhos

Eu ando meio sumida, mas foi por um bom motivo. Também não vou continuar o resuminho do livro sobre bilinguismo hoje, mas o motivo também é igualmente bom. Vou contar um pouco sobre nossas férias em Pindorama e em como essas 5 semanas ajudaram no desenvolvimento da linguagem dos pimpolhos. Uma viagem ao país de origem é sempre boa pra dar um salto no desenvolvimento do idioma, para estreitar os vínculos com a família de longe e com o país de origem da mamãe, certo?

Nós fomos na frente e papai foi se juntar ao resto da família após duas semanas. Isso foi um problemão para o Victor:

Por que você está tristinho, meu amor? Qual é o problema?

– É que eu quero falar pro papai que estou com saudades. Quero contar pra ele que estou com saudades desde o trem!

– Então você pode falar isso pra ele mais tarde pelo telefone, ué!

– Mas o problema é que eu não “sabe” falar saudade em ” landêis”. E nem em inglês!

Os meninos adoraram a aventura e o tempo passou voando para todos nós. Resolvi colocá-los na aula de natação para que tivessem contato com crianças da mesma idade, uma vez que eles não têm primos brasileiros tão novinhos. Eles se comunicaram sem problemas com as outras crianças e com os professores. E para tirar a dúvida de se o português deles era perceptivelmente “gringo”, resolvi tentar passar desapercebida na multidão. Bem, se isso deu certo é outra história, já que quase fomos descobertos na saída de um parquinho dentro de um shopping, por uma das “tias”que tomavam conta das crianças:

– Vocês não são daqui, né?

– Não…

– Ah, logo notei! Victor acabou de me perguntar se eu podia dar uma “balinha ou pirulito” (imitando sotaque baiano). Vocês são da Bahia?

– He-he-he (risada sem graça e querendo uma saída estratégica pela direita, já que provavelmente iríamos voltar lá). Eles devem estar com fome, temos que ir. Obrigada.

No show de divulgação de um DVD da Bia Bedran, também em um outro shopping do Rio, ninguém, nem a própria Bia, desconfiou que eles não fossem carioquinhas natos. E olha que Victor deu um showzinho à parte, logo da primeira fila:

E tchum! O lobo comeu a vovozinha!
Comeu a vovozinha ?!
É, comeu sim!
Mas ela ficou na barriguinha do lobo?
Foi e daí…
Mas ela estava morta?
Não deu tempo porque daí a Chapeuzinho…
Ah, não! Ele também comeu a Chapeuzinho???
Não! A Chapeuzinho fugiu e daí ela foi chamar os caçadores e…
O que é um “caçador”?
É um homem que caça e mata animais na floresta.
Mas que malvado!
Não, ele é bonzinho porque ele foi lá e salvou a vovó. Cortou a barriga do lobo com a faca e…
Com faca??? Doeu? O lobo morreu???
Bem, a platéia caía na risada diante de tamanho espanto pueril por causa da historinha, mas ninguém questionou sobre a origem do pequeno e ilustre curioso.

A partir desse dia o Lobo mau passou a ser figurinha constante nas conversas durante o dia e, principalmente, antes de dormir. Até Danielzinho embarcou nessa e estava sempre falando que tinha medo do lobo e perguntando se ele não ia aparecer e comer toda a família. Bem, depois de esclarecido que lobo mau prefere comer vovozinhas e crianças que não obedecem à mamãe e que mora na floresta ou no zoológico, a coisa até que melhorou. Finalmente os convencemos de que o lobo no zoológico estava preso e não poderia fugir de modo algum e conseguimos fazer um belo passeio para finalmente encontrar o personagem principal dessas férias. No caminho até a jaula do lobo, vimos outros animais e até um espaço em manutenção, o que permitiu que os meninos também se comunicassem sem serem descobertos:
Olha, mamãe! E ali, tem o que?
Ali os moços estão consertando, mas acho que tinha cobra.
Não é cobra não, moça: é jacaré.
Caraca! E você não tem medo do jacaré morder a sua bunda não??? (disse Victor)
Victor, tá vazio, não tem mais jacaré ali não.
Ah. Mas você sabe onde fica o lobo mau, moço?
Ali na frente, é só seguir.
“Bigado”, vamos ver o lobo, mãe! (disse Daniel)

Até que o lobo passou a ser menos temido depois da visita, mas só por precaução Victor resolveu que não pode mais usar o gorro vermelho no frio de Groningen, ou “o lobo pode achar que eu sou a Chapeuzinho, né?”

Quem quiser conferir o tão esperado encontro entre dois brasileirinhos assustados e o temido Lobo mau, pode conferir um vídeo no blog.

Daniel também parece que deu um salto na linguagem e passou a falar absolutamente tudo. E já está encontrando saídas para justificar seus atos não tão altruítas:

– Daniel, mamãe já falou que não pode bater no irmão! Peça desculpas!

– Não vou falar “discúpa” não!

– Fala sim. O irmão tá triste com você. Mamãe já falou que não pode bater; tem que pedir desculpas.

– “Discúpa”, Victor.

E após 2 minutos:

– Mamãe! Daniel me bateu de novo!!!

– Ah, Daniel, que feio! Mamãe não disse que não pode bater?

– Mas eu “zá” falei “discúpa”, mamãe!!!

Eles também aprenderam a dizer que estão “cheios” ao invés do usual “já comi o suficiente”, ensinado em casa pela mamãe. E a falar “maneiro”. Agora tudo é “maneiro” e “manelo”, pode?!

No fim a balança pendeu, e muito, para o lado positivo da visita (tanto o lado emocional quanto intelectual) e até papai foi “promovido”:
Mamãe, eu acho que o papai também é um pouco brasileiro agora.
É? Por que, meu amor?
Porque ele agora pode falar um pouquinho de português igual a gente, ué!