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Postado em 25/10/2009

Criando filhos bilíngues – Parte III

Colunista Diversas
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Autora: Adriana Mattos – carioca, doutora na área de ciências médicas e farmacêuticas pela RUG, em Groningen e mãe de 3 filhos

E já era hora de outro resuminho, certo? Vamos voltar a discutir “Raising a Bilingual Child”, conforme o combinado 🙂

Como enfatizado anteriormente, todas as crianças vêm equipadas de fábrica com áreas cerebrais capazes de desenvolver a linguagem. Essas regiões cerebrais, no entanto, necessitam de estímulos ambientais para que possam cumprir seu papel e proporcionar o florescimento da fala.

O bilinguismo é uma área relativamente pouco estudada até o momento e todas as recomendações para favorecimento de ambiente que propicie o bilinguismo são baseadas em observações de grupos bilíngues e em algum poucos experimentos científicos. Mas a boa notícia é que esses estudos vêm crescendo e ganhando forma. O fato-chave é que em qualquer cultura todas as crianças saudáveis aprendem a língua majoritária, mesmo que seus pais não sejam falantes desse idioma. Outro fato é que as famílias têm que fazer um esforço “extra” para que um idioma minoritário também se estabeleça. E outro fato é que, infelizmente, nem todas as crianças que crescem em ambientes bilígues se tornam bilíngues de fato. A boa notícia é que isso só pode ser explicado por fatores ambientais e o ambiente pode ser manipulado de modo a fazer a balança pender para o outro lado.

Em primeiro lugar, os pais devem ter uma atitude positiva e uma “crença de impacto”, ou seja, devem ter a certeza de que seus papéis na quantidade e na qualidade da linguagem apresentada à criança é crucial no processo. Normalmente essas duas coisas importantes andam juntas, mas elas podem se separar ao longo da vida. Uma família que é convencida por professores de que o desenvolvimento escolar dos filhos está sendo prejudicado pelo bilinguismo, pode passar a ter uma atitude negativa sobre o assunto, por exemplo. A atitude positiva dos outros familiares, amigos e comunidade de modo geral, assumirá um papel importante mais tarde também.

Outro fator essencial é a promoção da motivação e da oportunidade para a língua minoritária se desenvolver. Os pais devem dar aos filhos razões para que eles queiram usar o idioma e oportunidades suficientes de exposição a esse idioma, de modo que eles sejam capazes de aprendê-lo. Usemos a lógica e a imaginação para que isso aconteça. A motivação pode vir do desejo de falar com a mãe (ou pai), caso esse só se comunique no tal idioma; pode ser o desejo de participar de brincadeiras e de cantar musiquinhas no idioma minoritário; pode ser a vontade de poder falar com os primos, avós e tios quando forem visitar o país de origem de um dos pais; pode ser porque o “novo irmãozinho”só entende aquele idioma; pode ser para poder ver algum desenho animado típico do país de língua minoritária que só fale aquela língua etc etc etc. Obviamente um provedor do idioma minoritário que está sempre de mau-humor, cansado ou irritado não vai ser uma boa motivação…logo, fiquemos zen! 🙂

E como podemos otimizar o ambiente de modo a aumentar as chances para que nossos filhos sejam capazes de aprender e desenvolver efetivamente o bilinguismo?

1. Exposição, exposição e exposição. Sem sombra de dúvidas, esse é o fator mais importante. Estudos indicam que, para aprender determinado idioma, a criança deve ser exposta a ele, de maneira ativa, por pelo menos de 20 a 30% do tempo em que está acordada. Calculando rudemente, uma criança que acorda às 7h da manhã e dorme às 20h, deve ser exposta por cerca de 3 horas por dia, ou 21 horas por semana. E só conta se for exposição ativa, ou seja, uma conversa onde a criança participe ativamente. Na prática você deve conversar com seu filho como se conversasse com um adulto, dando tempo para que o outro se expresse (e com linguagem clara, sem “tatibitati”). Complementos como leitura de livros seria o ideal. parece muito mas não é, acreditem. Mesmo que seu filho vá a creche, como os meus, pelo menos uma hora pela manhã e duas no final da tarde já seriam suficientes. Agora é só somar o fim de semana e veremos que temos tempo de sobra.

2. Alimentar o ciclo estímulo-proficiência-fala. Existe um ciclo onde quanto maior o estímulo da fala, maior a proficiência e maior a vontade da criança de falar. Novamente a idade de início de exposição é importante, porque quanto mais jovem, melhor a proficiência e depois é só não deixar a peteca cair! A criança deve ser guiada e estimulada positivamente a falar e não obrigada e ridicularizada. Jamais faça graça de palavras ou gramática erradas, por mais bonitinho que seja. Muitas vezes elas não sabem (ainda) se expressar sobre determinado assunto, daí nós podemos dar um empurrãozinho. É só ajudar a completar frases ou encontrar as palavras certas, jamais corrigir abertamente. Quando a criança falar, por exemplo, “eu quero water!”, deve-se repetir : “ah, você quer água? Então a mamãe vai dar a água. Aqui está a água. A água está boa? Quer mais água?”, e não simplesmente corrigir:” não é water! É água! fale em português!”

Misturar palavras de dois idiomas em uma mesma frase ou misturar as gramáticas é uma fase perfeitamente normal no bilinguismo e que vai se corrigir com o tempo, assim que o vocabulário seja rico o suficiente. Na verdade isso é considerado sinal de inteligência, pois a criança substitui as palavras corretamente e acaba conseguindo se comunicar. Mas se os pais misturam os idiomas, daí já é um problema pois o filho vai achar isso “normal”e “correto”.

Entenderam a diferença? Notaram a importância da repetição? Aposto que em pouco tempo o seu filho vai estar pedindo “água”e não”water”. Com os meus tem funcionado, e muito bem, desse modo.

Eu só me dei conta da importância de se falar tudo clara e repetidamente quando meu filho, com quase 2 anos na época, me pediu pra comer “isso aqui”. A minha ajuda pra que ele falasse o que queria comer era pegar as várias coisas (banana, torrada, maçã, pão, leite etc) e, ao invés de falar o nome das coisas, eu mostrava e perguntava: “é isso aqui que você quer?” O danadinho ficou achando que tudo se chamava “isso aqui”! E lá fui eu desfazer a confusão que eu mesma criei.

3. Grupos comunitários de apoio ao idioma minoritário. Existem em vários países, comunidades de imigrantes que se unem para formar grupos de apoio à lingua. Isso é de extrema importância para dar suporte emocional tanto a pais quanto a filhos. Da parte dos pais, é importante trocar informações e dicas e da parte dos filhos, é importante saber que sua família não é “diferente” e que outras crianças também falam (e se orgulham disso) a língua minoritária. O ideal seria que esses grupos se encontrassem ao menos uma vez por semana e que promovessem a alfabetização na língua minoritária, mas isso é assunto pra outro texto.

Aqui em casa funciona de um modo parecido. Victor está na escola internacional, onde foi exposto a um terceiro idioma (inglês). Um “plus” na hora de tomar a decisão sobre a escola foi que ele estaria junto a seus “pares”, ou seja, crianças também criadas com outro idioma em casa. Foi uma decisào muito acertada. Também mantenho contato com outras mães brasileiras cujos filhos falam o português e procuramos incentivá-los a conversar em português quando estão juntos. Incentivo do mesmo modo meus filhos, quando brincam entre si, e posso dizer, com orgulho, que eles preferem brincar e se comunicar em português um com o outro.

4. Viagens ao país de origem do idioma minoritário ou visitas de parentes monolíngues. Importantíssimo para dar uma incrementada no desenvolvimento do idioma minoritário é manter as raízes visitando os parentes e os recebendo em casa sempre que possível. Sempre que se vai brincar com primos monolíngues ou que se recebe a visita da vovó por algumas semanas, a linguagem dá um salto. Quando as crianças tiverem idade suficiente, outra idéia seria deixá-las passar as férias verão com os avós ou tios sozinhos.

Essa parte é mais difícil, ainda bem que apenas facilita nossa vida, mas nào é um determinante para o sucesso do bilinguismo, certo? Estou indo ao Brasil semana que vem, depois conto como foi tudo. E em dezembro o meu irmão vem passar as férias escolares conosco; espero que sejam férias “falantes”pois os meus meninos precisam de exemplos masculinos de fala. Alguém mais está com esse problema? 🙂

Finalizando por hoje, ninguém gosta de falar um idioma que não domine bem, certo? Até nós, adultos, temos esse tipo de atitude. Quem não se sente envergonhado de falar um holandês “mim-Jane-tú-Chita?” Então, mais uma vez, é importante enfatizar nosso papel, enquanto pais e provedores de exposição ao nosso idioma materno. Quanto mais conversarmos, cantarmos e lermos para nossos filhos, mais e melhor eles falarão conosco em português. É uma tarefa cansativa, pois temos que tomar para nós o que seria aprendido de outras fontes em nosso país de origem (avós, tios, escola, amigos etc), mas garanto-lhes que nem é tão difícil e é extremamente gratificante ouvir um: “cacáca, mamãe! Que caminhão azul grande e bonito!” E o melhor é ter a certeza de que esse “cacáca” se tornará um belo, carioca e sonoro CARACA, logo logo.

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