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Postado em 10/10/2009

Criando filhos bilíngues – parte II

Colunista Diversas
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Autora: Adriana Mattos – carioca, doutora na área de ciências médicas e farmacêuticas pela RUG, em Groningene mãe de 3 filhos

Bem, continuando o resuminho sobre o livro da Dra. Pearson a respeito do bilinguismo, cá estou eu novamente.

Vou começar essa parte tentando responder a uma pergunta simples e que todos os que convivem com crianças criadas em bilinguismo, ou sobre elas escutam falar, querem saber:

Qualquer criança é capaz de aprender mais de um idioma simultaneamente?
A resposta seria sim e não. Primeiro eu vou explicar o não, pois é mais simples.

Uma criança que apresenta problemas em adquirir uma primeira língua, também não será capaz de adquirir outros idiomas. Quando isso acontece? quando existe um impedimento real para aquisição de primeira língua, como surdez ou retardo mental grave. Tirando isso, todas as outras crianças são capazes de falar em um ou mais idiomas. E o esforço necessário para se tornar bilíngue é bem menor do que o que a maioria dos desavisados pensa. Fazendo uma metáfora, falar um primeiro idioma seria como aprender a andar e falar um segundo idioma seria como aprender a pedalar uma bicicleta (de rodinhas).

Achar que uma criança não é capaz de aprender dois ou mais idiomas ao mesmo tempo, seria o mesmo que acreditar que uma criança não vai falar NUNCA. Até mesmo os pequeninos com perda parcial de audição ou com retardo mental moderado falam, existindo, inclusive, relatos de portadores de síndrome de Down bilíngues (os dois idiomas com mesmo grau de complexidade alcançado).

Mas existe um problema que acontece com muita frequência: culpar, erroneamente, o bilinguismo por qualquer tipo de problema de fala. Isso é frequente quando pessoas que não têm qualquer tipo de conhecimento na area de bilinguismo tentam dar o seu “pitaco” e isso normalmente é baseado em preconceitos e “achismos”. No topo da lista dos “pitaqueiros de plantão” estão os professores primários e os pediatras. E o chato é que essas profissões encobrem, com a sensação de credibilidade aos pais desavisados, pontos de vista não baseados em evidências.

Convido vocês, caros leitores, a acompanharem o seguinte pensamento lógico:
SE o bilinguismo causa problemas de linguagem, ENTÃO espera-se que os problemas de linguagem sejam mais frequentes em grupos de crianças bilíngues do que em crianças monolíngues, certo? Pois é, mas não é isso que acontece na realidade. Os problemas relacionados à fala são achados na mesma proporção nos dois grupos acima citados. LOGO o bilinguismo não pode ser culpado pelos casos de SLI (Specfic Language Impairment), dislexia, gagueira e outros problemas relacionados. O que acontece é que quando a criança é bilíngue, logo culpa-se o bilinguismo por tais problemas, uma vez que e a maioria tende a achar que aprender mais de um idioma vai confundir e atrasar a criança.

Fonoaudiólogos e outros profissionais que não estudaram e nem tiveram experiência com bilíngues costumam cometer esses erros e daí nossos pequenos falantes perdem essa maravilhosa chance de se expressar em mais de um idioma. E muitas vezes isso traz consequências graves, que serão discutidas em outra oportunidade.

Os problemas na fala, quando ocorrem, costumam se manifestar de maneira diferente nos diferentes idiomas. Uma criança que tem problemas para assimilar o passado em inglês (que fala “want” ao invés de “wanted”, por exemplo), pode ter problemas com os pronomes em português. Normalmente se o problema é tratado e corrigido em um dos idiomas, a melhora é também sentida na outra lingua, mas o ideal seria um tratamento simultâneo nos dois (ou mais) idiomas. E é claro que com um profissional experiente em bilinguismo SEMPRE.

Mas por que nós somos capazes de falar, afinal de contas?

Bem, aprender a falar é uma das coisas mais difíceis e incríveis que acontece no desenvolvimento humano; assim que a criança começa a escutar (na vida intra-uterina ainda, entre as semanas 25-30) começa o apredizado da(s) língua(s). Já pararam pra pensar que as crianças aprendem a falar antes de aprender a amarrar os sapatos? que podem usar regras complicadas de gramática antes de aprender a “colar-o-rabo-do-burro”, numa simples brincadeira infantil? A destreza física e a coordenação necessárias para emitir palavras parece mesmo ser uma grande vitória para um ser que nem ao menos consegue beber água num copo sem babar! Os movimento coordenados dos pulmões, lábios e língua necessários para falar já foram comparados e julgados mais difíceis do que fazer acrobacia. E a memória necessária para lembrar as palavras? Como uma criança lembra de tanta palavra, mas não lembra que papai saiu pra trabalhar meia hora atrás? Só mesmo tendo alguma coisa muito especial para explicar todas essas habilidades que vão “além” da capacidade de um serzinho que mal veio ao mundo. Entenderam o “X” da questão?

Para explicar o fantástico talento infantil para idiomas, os psicolinguistas criaram o conceito de “Aparato de aquisição de linguagem – LAD”, que é uma área cerebral que existe em todos os recém-nascidos. O LAD sozinho não promove o desenvolvimento da linguagem. Os bebês nascem em ambientes que são favoráveis à aquisição do idioma(s) e esse suporte ambiental, representado inicialmente pela família, é conhecido como “Sistema de Suporte à Aquisição de Linguagem”- LASS. Desse modo, o LAD representa a contribuição da natureza e o LASS a contribuição do ambiente e, com esses dois “ajudantes”, crianças do mundo inteiro aprendem um ou mais dos cerca de 6 mil idiomas falados ao redor do globo. Todas essas crianças aprendem a falar de modo semelhante e seguindo o mesmo tempo de desenvolvimento. Primeiro vem os sons, depois as sílabas, as palavras, as frases de 2 palavras, as frases maiores e, por fim, os textos. Resumidamente, as crianças do nosso planeta, apresentam essas médias de idade (*) no desenvolvimento da fala:

– Sons: do nascimento aos 5 meses (reconhece sons, mas não os identifica; produz consoantes como “g”, “b” e pode sorrir em resposta);

– sílabas: entre 6 e 9 meses (reconhece o próprio nome, começa a entender o “não”, fala “babababa”, “dadada”);

– palavras (entendimento): por volta de 12 meses (reconhece palavras de seu interesse particular, como “passear”; fala sílabas fáceis como “da”, “ba” e algumas consoantes fáceis como “f”, “m” e algumas crianças podem falar uma ou outra palavra);

– palavras: entre 16 e 18 meses (meninos entendem cerca de 140 palavras, podendo variar de 50 a 350; meninas entendem em média 190, variando entre 60 a 400. Vocabulário expressivo para meninos é cerca de 75 palavras e para meninas 118 palavras, ambos com grande variação);

– frases de 2 palavras (começo da gramática): por volta de 24 meses (a criança entende quase tudo que é dito; média para falar frase de 2 palavras é de 18 meses e a maioria das crianças pode fazer isso até os 26 meses);

– frases maiores: por volta dos 36 meses (a criança entende tudo que é falado e começa a entender coisas abstratas como sentimentos e pensamentos; fala frases simples, mas que são entendidas perfeitamente, adora repetir tudo, mas ainda é difícil manter uma conversação recíproca).

Como todas as crianças bilíngues nascem com o mesmo LAD de monolíngues, obviamente a diferença está no LASS, que precisa ser expandido nos bilíngues.

E como podemos melhorar o LASS, ou seja, o ambiente (as pessoas que falam com a criança e outros fatores) e promover condições ótimas de bilinguismo?

Volto depois para responder a isso 🙂

(*) as médias de idade revelam a idade onde o processo começa e não quer dizer que naquela determinada idade a criança deve, necessariamente, ter um número “x” de palavras ou dominar completamente o que é esperado para a fase. O problema é não entrar nessas fases até essa idade.

Parte I

Parte III