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Arnild Van de Velde
é de Salvador, de onde saiu há 14 anos. Antes da Holanda, morou na Escócia e na Alemanha. Dedica-se ao jornalismo, à literatura, à execução de projetos culturais e ao estudo da "Ciência da Cultura"( Kulturwissenschaft), pela Universidade de Hagen(D).

 

Sérgio Arruda
Um pensador em Roterdã

Texto: Arnild Van de Velde
Fotos: Marcia Curvo

 

Em quarenta anos de serviços, o Embaixador Sérgio Arruda, atual cônsul-geral em Roterdã, já representou o Brasil em missões permanentes e de curta duração, junto a conferências e organizações internacionais, e ocupou cargos do Ministério de Relações Exteriores, em território brasileiro. Sua carreira diplomática, que começou na Embaixada de Madri, por vezes levou-o a regiões marcadas por conflitos, na África, Ásia, Europa e América.

Em Angola, por exemplo, Arruda serviu  em meio à guerra que devastou o país por toda a década de 80 e da qual resultou uma catástrofe humanitária perene.  Antes, porém, já havia estado na Bulgária dos tempos da Guerra Fria, na China das reformas progressistas de Deng Xiaoping, na Espanha franquista, como embaixador na Jamaica e mesmo por um curto período em Roterdã (2004), para onde voltou em setembro do ano passado e assumiu a vaga deixada pelo também Embaixador Kywal de Oliveira, então transferido para a Austrália.

Graduado em Direito pela Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro), mestre e doutor em Diplomacia pelo Instituto Rio Branco, e ex-aluno do Mestrado em  Economia da Universidade de Ottawa (Canadá), Arruda é um carioca que transita com desenvoltura por assuntos diversos. Com a mesma fluência e articulação, descreve o trabalho de uma pequena comunidade brasileira do Senegal, o papel do Brasil na produção de biocombustível, e faz considerações sobre a ansiedade, condição que pode levar pessoas normalmente muito capazes a erros comprometedores.  

Recentemente, afobação do gênero deu origem a um episódio envolvendo o edital para a seleção de candidatos a um emprego na residência consular. Muitas vezes lido, raramente entendido, o documento causou indignação a uma parcela da comunidade brasileira radicada na Holanda, que motivada por uma interpretação particular e inadequada do texto, a ele reagiu com ataques ao cônsul e sua equipe, numa comunidade da internet. Uma consulta apropriada ao Ministério das Relações Sociais e do Trabalho revelou, porém, que para a função específica, o edital seguia as normas da legislação trabalhista, prevista para entrar em vigor em 1o de abril.   

Procurado para comentar o mal-entendido, Sérgio Arruda concordou em conceder a seguinte entrevista a este site, na qual explica a natureza das contratações do serviço consular, o efeito bem perguntas bem intencionadas - mas mal formuladas - e como o Consulado de Roterdã vem sendo preparado para atuar como canal de comunicação entre estados e municípios brasileiros e holandeses.

Como o senhor prefere ser chamado: cônsul ou embaixador?

SA - Cônsul-geral é a função que eu desempenho.  Por ter sido chefe de missão permanente (Embaixador do Brasil na Jamaica, de 1995 a 2001),  tenho o título de embaixador. Entre colegas sou chamado assim. Isso é como quando você faz um PhD e passa a ser chamado de doutor. Um doutor, porém,  pode desempenhar as funções de diretor de hospital ou de Ministro da Saúde. De um lado, eu diria que a função consular torna o contato com a comunidade brasileira enriquecedor. Eu diria ainda que o aspecto consular, que é mais capilar , mais ligado à comunidade - e nesse sentido até mais gratificante - não deixa de estar vinculado a uma escala mais ampla, em que mais diretamente o agente diplomático, no caso o nosso Embaixador na Haia, Gilberto Saboia, cuida dos interesses do país, por exemplo, junto a instituições acadêmicas com as quais o Brasil mantém relações de cooperação e troca. Em visita ao prefeito de Roterdã, porém, eu me apresento como cônsul-geral do Brasil em Roterdã.

-  Um edital para selecionar uma funcionária tornou o senhor alvo de críticas duras. Pela carga horária exigida – 60 horas semanais - suspeitou-se de que além de não respeitar as leis holandesas, o senhor também desconhecesse a Lei Áurea, matéria que consta do currículo do ensino fundamental brasileiro. É possível que um PhD em Diplomacia jamais a tenha lido?

SA - Não só li a Lei como obras recentes, que demonstram que a monarquia brasileira, em particular a Princesa Isabel, estava comprometida com uma postura extraordinariamente avançada para a época, para compensar aquelas décadas de atraso da elite brasileira. Havia um plano de financiamento da Reforma Agrária, exatamente o que faltou ao processo de Abolição da Escravatura, como aconteceu na Jamaica, país em que servi, e onde os ex-escravos se tornaram pequenos proprietários, produtores.  Isto estava previsto numa correspondência da Princesa Isabel, por quem tenho grande admiração. Um grupo de titulares do Império, comprometido com a causa, faria doações importantes e constituiria um fundo que inclusive permitiria um movimento político de uma força muito grande. A Lei Áurea é uma lei generosa, embora tardia. Nosso país, passados mais de 100 anos da Abolição, tem em anos recentes procurado combater este fenômeno da escravidão, com o reconhecimento das Nações Unidas. O governo brasileiro está comprometido com a política de inclusão social. Um dos aspectos é este trabalho junto à crescente comunidade de brasileiros no exterior, muitos dos quais tangidos do país pelas dificuldades  sócio-econômicas dos últimos 25, 30  anos (estima-se que 3 milhões de brasileiros vivam no exterior).

Como o senhor explicaria então a confusão gerada por este edital? Tratou-se de desinformação por parte deste Consulado?

SA - Eu acho que se tratou de um equívoco coletivo, do qual participou uma parcela   certamente ínfima da comunidade brasileira, mas ainda assim mais de 100 pessoas, digamos 1%. Infelizmente, 1% desinformado, sem o mínimo de educação cidadã, capaz de ler um texto e entender e, em caso de dúvidas, estabelecer um contato com o canal competente para esclarecê-las. Um edital, por definição, tem que ser um texto genérico, não pode entrar em detalhes, mas detalhes podem ser esclarecidos ao menos por via eletrônica. Lamento que não tivesse havido uma consulta mais aprofundada a este Consulado. Esta é  uma  instituição de governo cujo mandato é satisfazer as necessidades básicas dos serviços consulares de toda uma comunidade. Não pode se ater a particularismos de grupos, virtuais ou não, nem deles participar. Somos abertos a demandas de desde que elas cheguem a nós. Por isso temos um site na internet. Por isso também aproveitamos espaços como o do site   Brasileiros na Holanda, cujo alcance nos ajuda na divulgação das atividades consulares.

As dúvidas, no entanto, permanecem.   Entre seus críticos  impera a certeza de que esta contratação fere a legislação holandesa e discrimina candidatos por sexo.

SA - O governo brasileiro - não dispondo de um próprio nacional -   tem uma série de critérios quando autoriza que um titular de   missão diplomática, ou de repartição consular,  assine um contrato para uma residência que é oficial. Este processo foi aberto nas mesmas condições dos anteriores, pelos quais, em 2006,  contratamos três funcionários para este Consulado. Feita uma consulta à advogada que nos orienta (a especialista em direito trabalhista Evelien van Howeninge Graftdijk, com quem a autora desta matéria também conversou), fomos informados que a legislação está em transição. Num primeiro texto do edital, havíamos utilizado a carga horária que sabíamos ser aplicável a funcionários burocráticos. Tínhamos dúvidas se as mesmas regras valiam para funções domésticas. Efetivamente não valem: há uma diferenciação, conforme pudemos concluir do parecer legal. Por outro lado, normas que constam de uma legislação brasileira de 1995, regulamentada por portaria ministerial, listam uma série de exigências que devem ser seguidas. Por exemplo: criar uma comissão de seleção e divulgar o edital   por período mínimo de 15 dias. Todas as contratações, porém, obedecem rigorosamente à legislação local.  

- E o que o senhor tem a dizer sobre a preferência explícita por uma candidata?
 
SA - A legislação brasileira permite uma discriminação positiva a favor de brasileiro. Em igualdade de condições ela dá preferência ao candidato que domine a língua portuguesa do Brasil, como constou da versão anterior do edital. O Consulado, ciente da existência 15 mil brasileiros residentes na Holanda, como também de que a comunidade é em 67% constituída por   mulheres, busca fazer uma tipificação afirmativa e favorecer a maioria da comunidade brasileira, mas sem preterir demais membros. Os resultados têm sido satisfatórios. Hoje podemos dizer que temos uma equipe em que há equilíbrio de gêneros , 50% homens e 50% mulheres.

No Orkut, onde o tema foi explorado por dias, falou-se até mesmo em "ato de repúdio" ao Consulado Brasileiro.

SA - A rede mundial de computadores, que é uma ferramenta maravilhosa, que propicia coisas extraordinárias, tem sido instrumentalizada   através desta instituição chamada Orkut. Ela,  aparentemente, cumpre ao lado de funções meritórias, as de lobby político e social, mas o efeito depende das intenções, da boa fé, da idoneidade da pessoa por detrás da ação, porque depois a iniciativa corre o risco de se tornar uma bola de neve, de gerar um efeito "manada".   Eu observo que as pessoas, se sentem, digamos, escudadas, como que protegidas pelo anonimato, ou pela total irresponsabilidade. Tendem a seguir aquela máxima de que a cada conto se agrega um ponto. Mesmo o bem intencionado e o idôneo, quando não muito bem apurado,   torna-se algo inteiramente diverso da proposta inicial. O desafio à autoridade é uma componente. É como se o cidadão ficasse investido de um poder, de uma força capaz.   Infelizmente muitas pessoas, às vezes por ignorância de certos fatos básicos, às vezes por boa fé - ou nem tanto -   acabam por construir fantasias, projetar todas as suas frustrações num espaço como o Orkut.

Aparentemente pressionado, Senhor teria voltado atrás no ponto da carga horária, reduzindo-a de 60 para 40 horas semanais.

Não houve recuo. O que se fez foi aprimorar a redação do documento, substituindo a carga máxima permitida, pela média das horas trabalhadas em um ano, quando divididas pelo número de semanas (procurada pela reportagem, a assessoria do Ministério do Trabalho ratificou a conta e explicou que a legislação trabalhista aborda diferentemente os casos de empregados domésticos que moram no emprego). Evidentemente, a comissão de seleção é soberana. O chefe do posto (ele próprio) apenas toma conhecimento das decisões. Os funcionários procedem de acordo com a legislação local e com as recomendações do Ministério das Relações Exteriores. No caso, o cônsul-adjunto (Márcio Dornelles) é o presidente da comissão da qual participam outros funcionários de carreira. Não se pode esclarecer num edital, parágrafos, alíneas, e subalíneas de uma legislação que de resto - dizem os especialistas locais -  é considerada complexa, de redação não muito clara. Não cabe a mim avalia-la, mas respeita-la e aplica-la. Essas dúvidas que hoje parecem inquietar profissionais do ramo do Direito aqui na Holanda se esclarecerão, e o Consulado se guiará pela boa e lúcida interpretação da lei.   De resto, o edital precisou ser cancelado, já que um dos membros da comissão precisou se ausentar da Holanda, retirando-se da mesma o que consequentemente levou à constituição de uma nova banca. 

- As críticas então foram infundadas?

SA - Relendo o texto, eu  arrisco dizer que a inserção da palavra "até", antes do trecho que menciona a carga horária, poderia ter feito a diferença. Em 2006 fizemos três processos de seleção que eu não sei se mereceram reparos de grupos organizados virtuais. Pelo menos queixas não chegaram ao conhecimento do Consulado. Críticas que visam aperfeiçoar nosso trabalho são sempre bem vindas. É preciso, no entanto, saber formulá-las, ter clareza de idéias. A consulta feita ao cônsul-adjunto por um membro desta comunidade que você mencionou foi de caráter geral, cuja resposta foi limitada pelo teor da pergunta.

-  Em dezembro de 2006 o senhor, então no cargo havia três meses,  participou de um encontro com a comunidade brasileira, em Amsterdã. Que saldo tirou daquele primeiro contato?
 
SA -  A receptividade foi grande. Nós sentimos que havia uma carência deste trabalho de campo. A diplomacia  é um instrumento adicional das relações entre povos. A título de comparação, a visita da Rainha Beatriz à Turquia, pela primeira vez, em quase 400 anos de relações diplomáticas formais entre os dois países, revela a importância do nosso trabalho. Muito se falou de que a internet poderia alavancar o desaparecimento dos serviços diplomáticos, que nós nos tornaríamos redundantes, mas a verdade é que continuamos aí.  A experiência foi positiva e a meta é levá-la adiante. Futuramente na forma de consulado itinerante, levando os serviços até quem por uma ou outra dificuldade não consegue chegar a Roterdã, ou em iniciativas para as quais estamos buscando parcerias. Até meado deste ano pretendemos ter um cronograma definido para uma segunda edição do encontro, e talvez uma terceira, já no final do ano.
 
Enquanto estes projetos não se concretizam, o que será feito para tornar o Consulado mais eficiente? O senhores são volta e meia alvo de queixas.
 
SA - Entre 2005 e 2006 tivemos um crescimento além dos 10%. Recebemos uma média de 1.200 ligações mensais, 50% de consultas de brasileiros, 45% de holandeses e 5% de outras nacionalidades. Nós somos uma equipe relativamente pequena - quase um time de futebol - entre funcionários de carreira do Ministério de Relações Exteriores e pessoal de apoio,  funcionários locais. Efetivamente se trabalha na ampliação e modernização da rede consular, com o objetivo de dotar os 35 consulares mais movimentados - Roterdã é um deles - de meios de comunicação virtuais e eletrônicos eficientes e capazes de contribuir para a maximização do atendimento. Nossa caixa de sugestões tem andado vazia. Entendo isso como um sinal de que os esforços para corrigir eventuais falhas vêm sendo percebidos pela comunidade.
 
- O senhor fala muito em Diplomacia federativa. Poderia dar um exemplo de sua aplicação?
 
SA Nós somos 15 mil brasileiros na Holanda, mas talvez cerca de 70 mil  falantes da língua portuguesa se somarmos as comunidades caboverdiana (25 mil), portuguesa (20 mil) e mais 10 mil angolanos. Roterdã , nesse aspecto, tem   potencial. Um pouco fora da visão tradicional do que seja  serviço consular, que stricto sensu é a satisfação completa dos serviços de que falamos, a língua é o que eu chamaria de 'alimento da alma'. Nesse sentido, creio, podemos e devemos atuar como brasileiros, mas também como condôminos deste patrimônio espiritual comum que é a língua portuguesa, a 5 a mais falada no mundo ocidental. Somos seguramente 210 milhões de falantes do português em todo o mundo. O Brasil tem muito a oferecer, em muitas áreas, como também a receber. A diplomacia federativa é um conceito que visa estreitar a rede de vínculos operacionais e acordos de intenção entre estados e municípios brasileiros e seus homólogos estrangeiros e auxiliar as interações clássicas, da política externa do Brasil com alguns de seus principais parceiros, como é potencialmente o caso dos Países Baixos, com quem mantemos relações de cooperação e troca acadêmica. Neste sentido, é possível propor ações e funcionar como um elo entre instituições dos dois países, em complemento ao trabalho das embaixadas, que cuidam das relações entre os governos.

- 06/03/2007

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