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Johannes Goes, holandês, morou 15 anos no Brasil (Rio, Belo Horizonte, Salvador e Fortaleza). Ensinava Inglês. Escreve por prazer, também autor e produtor de um Curso de Inglês de Conversação Prático. Casado com uma brasileira, 3 filhos e uma neta , mora no Algarve, Portugal.


A difícil integração do holandês no Brasil

John Goes

 

Uma vez casados, resolveram continuar morando na Holanda. Já que ele era professor no ensino secundário e com as férias que ele tinha, dava para passar três meses por ano, com euros no bolso, no Brasil. Ela retomou os seus estudos de Biologia, depois de ter feito e passado por todas as provas que tinha que passar, para demonstrar que estava apta, adaptada e integrada na sociedade holandesa.

Esta adaptação era só para inglês ou, neste caso,  o holandês ver.

Nunca, mas nunca, ia ela deixar um cachorro lamber a panela da comida e depois usá-la no dia seguinte para o jantar. Era um hábito dos holandeses, consagrado no dizer de "Quem chega atrasado para o jantar, vindt de hond in de pot ".

Achava que os holandeses eram uns grandes porcos, a começar com o seu marido Gijsbert.

Oh homem que não se lavava direito, nem tomava banho se não fosse impelido,  e era capaz de matar uma mosca com a mão. Capaz de fazer cada coisa nojenta que era ele que devia tirar um curso para se integrar por completo com ela. Além de ensiná-lo português com bastante sucesso, verdade seja dita, também era diariamente instruído em hábitos saudáveis de higiene, assim como lavar as mãos antes das refeições, escovar os dentes depois destas e não lavar a gaiola do periquito na pia da cozinha.

O sítio que compraram no alto das dunas, um pouco antes da praia do Cumbuco, a 40 km de Fortaleza, era rodeado por árvores e arbustos tropicais. Foi na altura do real estar tão baixo, logo depois do Lula ser eleito pela primeira vez, que achavam que a compra foi um maior negócio. O lugar era duma privacidade total. Estava o casal de férias e havia dias de calor pesado e úmido, que dava aquela vontade de tirar a roupa toda.

Após uns mergulhos na piscina, o Gijsbert e a sua esposa, Eneida, estavam confortáveis e bem instalados nas suas cadeiras espreguiçadeiras e ambos estavam bem nus. "Bem" porque a esposa ainda vestia uma calcinha e o Gijsbert estava de óculos de sol e os seus chinelos. Prevendo uma tarde quente, perturbava ao Gijsbert que a esposa nesta hora recebia inúmeras chamadas das suas amigas lá de Fortaleza, no seu celular.

Enquanto a esposa gesticulava energicamente e os seus seios acompanhavam os agitados movimentos, o Gijsbert tinha de meter-se para de dentro da piscina para matar o seu tesão e para dentro da geladeira por mais cervejas para matar a sua sede.

No momento a esposa estava explicando a uma amiga a melhor maneira de tirar manchas de chocolate de uma saia branca. Como bióloga que ia ser, adorava dar palpites em questões de higiene. Combate permanente em casa e no campo a tudo quanto era micróbio e bicho que podia penetrar no lar, era já uma das suas especialidades.

Cachorro e gato não entravam no lar já que podiam estar com pulgas. Havia moscas, que infelizmente transitaram livremente pelas portas e janelas abertas mas nunca encontraram restos de comida em canto nenhum da sua casa.

Fazia o Gijsbert ideia da bicharada que dava num país tropical?

Havia formigas, pequenas e grandes, as grandes chamadas de saúva e que em tempos de outrora eram uma ameaça tão grande, contou ela a Gijsbert, que se falava 'Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil'. Este dizer depois mudou conforme o partido político que estava no poder e que presentemente era 'Ou o Brasil acabe com o PT ou o PT acaba com o Brasil'.

No campo ao redor da casa teria de haver uma vigília reforçada contra cobras, escorpiões e lacraias. Também era para estar de alerta contra morcegos, abelhas, a tarântula, a viúva negra, a aranha marrom, a aranha da banana, mosquitos, camundongos e ratos.

Mas ainda por cima de tudo e de todos, e o menor relaxamento na constante vigilância podia ser catastrófico, já que havia a pior, a inimaginável, a mais terrível, horrível, nojenta de todas as criaturas vivas: a barata.

Como bióloga ela bem sabia que habitando nas frestas quentes e úmidas da terra, o inseto esperou 300 milhões de anos para finalmente instalar-se e coabitar com a espécie, que mais espalha sujeira em volta de si, como nenhum outra espécie antes dele: o homem, a começar com os primeiros habitantes humanos e os seus consortes nas cavernas.

Sabia o Gijsbert o que era uma barata? Não. Já ouviu falar em cockroach? Cockroach já. Era 'kakkerlak' em holandês, mas nunca tinha vista nenhuma e, quando na primeira vez aos gritos e aos berros foi lhe apontado uma, perguntou qual a razão dessa comoção? O que tinha um kevertje, een torretje? ( um besourinho ).

Em português o bichinho até tem um nome inexplicável. Há pessoas que portam o nome de "Barata" como sobrenome. Ganharam estas pessoas o nome da família por causa das baratas ou as baratas por causa desta família?

"É incompreensível como a família Barata não se auto- extingüiu. Que meninas-moças se dispunham a casar e se tornar uma Barata? "Prova mais uma vez  que as baratas se multiplicam nas mais adversas circunstâncias", raciocinava a Eneida, muito orgulhosa entretanto do sobrenome holandês que ela mesma ostentava, desde que atou os laços matrimoniais com Gijsbert van Goedkoop.

Enquanto barata como adjetivo é um atrativo para muita gente, como substantivo e exclamado em alta voz é causa que, por reflexo, faz as mulheres em todos os países de fala portuguesa começarem a gritar e guinchar, subindo nas mesas e cadeiras, apertando as suas saias envoltas das pernas, dando graças a Deus que estão de calcinha quando se lançam nos candelabros pendurados no teto.

Na casa do sítio do jovem casal estabeleceram-se estratégias para o combate à barata se por acaso, acuda nós Deus, uma aparecesse. Os detalhes mais pormenorizados destas estratégias eram elaborados minuciosamente por um general, um general que era casada com o Gijsbert van Goedkoop, um holandês que não percebia nada dessas coisas. O soldado Gijsbert foi avisado que aí estavam no Brasil e quem entendia do Brasil era ela e que portanto nesta matéria receberia ordens que eram para serem cumpridas sem as questionar, sem as julgar ou cair na tentação de duvidar da eficácia das medidas a tomar.

Havia providencias de extrema precaução para que o soldado de repente não agisse por conta própria, e que sem a devida coordenação se empreendia numa irada ação mortífera, chinelo de pé em mão.

A arma temível que assegurava a matança, a destruição e o extermínio da espécie era guardado a 4 chaves num lugar secreto e era somente do conhecimento da General. Era letal tanto para a barata como para o homem, dependendo da dose aplicada.

Chamava-se "o spray". Devido a sua ação nociva e tóxica, o spray não podia ser usado sob nenhuma condição, assim  à toa e sem cabeça. A necessidade do manuseio do mesmo, devia sempre primeiro ser ponderada pela General- bióloga na base de que cada caso é um caso.

Aí nesta tardinha quente, a caminho do frigorífico para mais uma cerveja acontece o impensável e o Gijsbert é confrontado no corredor com o "insectus terribilis", uma cascuda dum tamanho medonho, aparentemente também ao caminho do frigorífico.

Imediatamente de alerta que este dia podia ser o dia, o Gijsbert retira-se sem fazer nenhum barulho. Está de plena consciência que este terreno específico de batalha, exigirá o uso do spray.

Encontra a esposa ainda no celular com alguém e ele sussurra:

"O spray. Vlug, pegue o spray."

"Espere aí", diz a esposa à amiga e a ele: "O quê? O que é que foi?"

" O spray. Vlug, vlug".

" E por quê?"

" Porque, por quê? Godverdomme , não enche, schiet op, vlug!"

Era bem típico dela fazer esta domme pergunta na hora da guerra explodir.

Mas a gravidade da situação penetra e subitamente ela deixa cair o celular e com ele todos os planos apropriados de eficientes contingências mortais minuciosamente antecipados e elaborados.

Ela levanta-se em pânico e corre em direção ao lugar onde sabe encontrar a arma letal para este caso.

Ela volta logo com a lata de spray, ofegando por causa da corrida e excitação. Está branca, treme e murmura:" Só um pouco chega. Não abuse. Aonde viu?"

" Stil. Laat maar aan mij over ".

Cheio de coragem e decidido, o Gijsbert se mete com o spray na mão para o corredor, seguido por seu supervisor trêmulo, para enfrentar o horror dos horrores.

Em tempos passados as latas de spray tinham uma tampa que devia ser removida antes de poder apertar o botão. Esta lata é de uma versão mais moderno, de um design mais de acordo com as exigências de renovação constante das linhas de inseticida, com a tampa incorporado no mecanismo, que não precisa ser removida. Falha da Generalíssima que não instruiu o soldado sobre esta novidade. Quando portanto o Gijsbert tenta remover a tampa, e mexe com um dispositivo nunca visto antes e para ver melhor, olha mais de perto, fuçando no mecanismo, tudo o que consegue é uma rajada na própria cara e o seu tronco.

Ela, em vez de ficar preocupada com ele e apesar do pavor que sente pela barata, se ri.

Isto enfurece o Gijsbert. Empurrado pela esposa, não é que ela se riu da desgraça alheia? Podia ter ficado cego na linha da frente da batalha se não fossem os seus óculos de sol, agora cobertos de espuma.

" Ah, leuk ? Hardstikke leuk, hé? Kijk eens, hier, heb jij ook een beetje."

Levando um jato de inseticida na boca encoleriza por sua vez a esposa. Não acha mais graça nenhuma.

"Seu klootzak. Grote lul, oen", palavras holandesas que ela conhecia mas nunca falou, rolaram agora da sua boca acrescidas por palavras mais saborosas: " Seu filho duma égua. Seu imbecil. Vai me pagar, vai ver, seu desgraçado!"

O tamanho de ódio e menosprezo que havia no seu olhar jamais seria esquecido por Gijsbert. Acalmou logo.

"Desculpe, meu amor, 'n ongelukje, foi sem querer", disse ele confuso com o seu próprio ato impetuoso.

"Acaba já com isto, seu cafajeste estúpido, mate-a", disse ela agora com uma voz sem emoção. Possuída por uma gélida fúria, parecia ter perdido o medo e o pavor.

"Kalm joh, kalm, ik weet nu hoe het werkt," disse o Gijsbert , sentindo logo que era a resposta errada mas de qualquer maneira faz pontaria certa e o mostrengo vira de pernas pr'o ar. Entretanto a esposa, tendo tomado um banho de inseticida, sentia que o ato do Gijsbert a tinha reduzido a uma barata das mais asquerosas. Justamente uma barata, o bicho mais hediondo, mais vil na face da terra.

Ela, uma mulher jovem, em vez de sentir-se atrativa e desejada, agora batizada com inseticida por esse holandês, o seu marido, logo inseticida para matar barata, foi tratada como um ser repugnante, repelente e horroroso.

Naquela tarde, daquele dia, o amor dela por ele e doravante por 'zuurkool met worst van de HEMA', levou uma facada irreparável.



© John Goes, November, 2006

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