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Patrícia Veltri - Em Santos nasci, em São Paulo vivi 27 anos, em Rotterdam moro desde 2003. Formada em Filosofia e Moda sempre gostei de misturar coisas que parecem não combinar e pensar várias maneiras de ver o mundo. Já trabalhei em cinema, televisão e revistas, como figurinista, stylist, editora de fotos, produtora e editora de moda.
Sou cheia de contradições, imperfeições mas me livrei dos defeitos porque depois de uma certa idade não temos mais defeitos, somente características.

De filho para mãe

 

Acabo de ter minha primeira experiência profissional aqui neste País e sendo bem sincera comigo mesma e com vocês, tenho que dizer que estou bastante frustrada. Tive a oportunidade de trabalhar numa das lojas de uma grande cadeia internacional, função: vendedora. Minhas tarefas não poderiam ser mais simples, colocar alarmes, pendurar as novas mercadorias que chegavam e dobrar, dobrar e arrumar pilhas de roupas.

Sou formada em Moda, trabalhei numa das maiores revistas da área no Brasil e minha posição profissional lá era bem outra mas aqui estava encontrando muita dificuldade para entrar no mercado. Portanto, frente a essa oportunidade, arregacei as mangas e resolvi que o importante era ter essa experiência e fui lá, dar o meu melhor.

Trabalhando descobri sobre os holandeses que ser meio abrutalhada, fazer as coisas rápidamente mesmo que mal feito e andar pelo ambiente de trabalho como se estivesse em constante stress é interpretado como produtividade; que você não precisa tratar bem ou educadamente seus colegas porque eles, no fundo, não estão nem aí para você e ninguém liga para gentilezas, quiçá sutilezas; que na sua hora de almoço ou de ir embora você deve parar o que estiver fazendo e largar tudo ali, como estiver, sem se preocupar ou sentir-se culpada por não ter terminado tudo e se você não agir assim as pessoas vão começar a achar que você é meio idiota ou pior, que deve ser meio burra.

E foi um pouco isso o que me aconteceu, com o passar do tempo percebia que por ser diferente, fazer as coisas de outra maneira e não entender todas as palavras o tempo todo as pessoas começaram a pensar que eu era ‘meio burra’. Agora como poderia a burra aqui, ser a única que falava mais de duas línguas? A única que tinha feito uma faculdade e estudado moda? Que tinha morado e estudado em outros países ? Para não dizer a única que ia em museu, exposição de arte e que lia um jornal todos os dias que não era o Metro!

Mas minhas colegas eram imperdoáveis, algumas ríam do meu sotoque outras me olhavam com arrogância e perguntavam porque eu gostava de falar difícil. Difícil? Como assim difícil? E elas deram um exemplo: ‘você fala ‘preferir’ em vez de ‘gostar’!!! Eu ia ficando cada vez mais perplexa, calada e infeliz.

Foi quando comecei a pensar: ‘está na hora de parar, preciso sair daqui!’. Mas era meados de novembro e achei que não poderia fazer isso perto da época do Natal, que não poderia deixar elas na mão nessa época do ano, precisava aguentar! Mais um erro básico: ‘não ser individualista’. Aconteceu que ao invés de pedir demissão fui dispensada.

Depois de 3 meses engolindo muito sapo, tomando sapatada de todo lado e ouvindo todo tipo de comentário minha chefe me chamou numa salinha e disse que eu não conseguia fazer as funções da maneira que eles esperavam, que era lenta e não tinha iniciativa, apesar de ser uma ‘menina muito educada’… que meu contrato havia expirado e eles não iriam renová-lo. Seguido de um ‘obrigada e até logo’.

Fiquei arrasada. Respirei fundo, peguei minha auto-estima que naquela hora estava no andar de baixo, minha bolsa e porque talvez seja mesmo uma menina muito educada estendi-lhe a mão, desejei-lhe um feliz natal e disse adeus.

Passado uns dias, depois de quase ter acreditado que eu não era mais capaz nem de dobrar e pendurar roupas, de chorar litros e ficar andando igual barata tonta pela casa pude começar a refletir sobre essa experiência.

Comecei por tentar voltar a acreditar em mim mesma, nas minhas capacidades e refutar primeiro a hipótese de ‘não ter iniciativa’ pois afinal uma pessoa que muda de País, luta para aprender uma nova língua e se adaptar numa sociedade completamente diferente da sua não pode ser considerada exatamente passiva. Depois lembrar que nunca fui ‘lenta’, sempre trabalhei em jornal e revistas, com prazos de fechamento, dead lines, cobranças, pressão de editor, diretor e sempre, sempre dei conta do recado.

Mas ficar só lembrando quem eu era não estava resolvendo, a ‘cena da salinha’ na saia da minha cabeça. Precisei admitir que aqui sempre serei diferente, que sou e sempre serei uma estrangeira, tenho outra história, outra bagagem e que e preciso aprender a colocar essa diferença no lugar certo porque nem sempre ela vai estar a meu favor.

Depois que em Roma precisamos fazer como os romanos e na Holanda precisamos aprender a falar ‘não’ sem culpa ou dó. Um ‘não’ que é diferente de simplesmente negar. Um ‘não’ que talvez desconhecemos na nossa cultura, um ‘não’ que vem da razão. Digo ‘não’ logo existo…
Foi pensando assim que disse ‘não’ ao que minha ex-chefe falou sobre mim naquela ‘salinha’ nos fundos de uma loja em Schiedam. Foi pensando assim que comecei a esquecer o passado e criar espaço na minha cabeça para pensar no futuro. Esse não que é diferente de negar o fato de ser brasileira ou a razão do holandes ser do jeito que é.

Não quero sentir pena de mim nem ter raiva do outro, quero só aprender, crescer, evoluir e foi pensando assim que comecei a superar a minha decepção. E acabei de superá-la por completo outro dia quando estava cozinhando enquanto meu filho assistia ‘Procurando Nemo’, seu dvd favorito que acabara de ganhar de Natal dos seus avós, meus pais.
Para os que não conhecem é a história de um peixinho que por desobedecer e desafiar o pai acaba dentro de um aquário numa sala de dentista em Sidney…‘pois é, a vida não é fácil para aqueles que resolvem arriscar, pensei ironicamente’. Só que em seguida ouvi o seguinte diálogo entre dois peixes: ‘você está triste não é? As coisas não estão acontecendo como voce gostaria? Olha, para essas horas em que a vida nos decepciona eu tenho um lema: continue a nadar, continue a nadar, continue a nadar, nadar, nadar…’

Fui largando e faca, a cebola, a panela e parei em frente à TV de queixo caído com a sensação esquisista de ter aprendido uma grande lição.
Meus pais deram esse dvd para o meu filho, que por sua vez me fez ouvir que às vezes a vida nos decepciona, acontece, mas que temos também que ter coragem para saber aprender com isso e depois continuar a viver, a nadar, nadar, nadar. Naquele momento essa foi a melhor frase que meu filho poderia ter me feito escutar. Ou será que foram meus pais?

 

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