Voltar à página inicial
TEMPO NA HOLANDA
Tempo na Holanda
TEMPO NO BRASIL
Patrocine este autor anunciando aqui
Compre livros do Brasil e receba-os em sua casa!
Colunas

Sérgio Godoy é paulistano, graduado em Artes Visuais: Central Saint Martins School of Art , em Londres. Participou de várias antologias literárias no Brasil e alguns de seus poemas foram publicados em Poetry Review UK.

COITADO DO TADEU!

Sérgio Godoy

“Arregaça a manga, mano!”, gritou Tadeu da janela do tram 13, ao amigo que em espanto, o olhou do outro lado da rua, sem saber o que dizer.

Os dois se conheceram há dois anos atrás em uma “roda de capoeira”, evento promovido pelo Buurtcentrum de Havelaar, Oud-West. João Paulo havia recém chegado à Holanda. Depois de enfrentar com sorrisos a imigração em Paris, desceu do trem em Amsterdã sentindo-se uma criança perdida em um parque de diversões. No bolso, um papel dobrado com o telefone da amiga e 200 dólares que conseguira economizar às custas do trabalho extra em um dos bares da Vila Madalena. Usando-se do fraco inglês que aprendera com uma namorada norte-americana, trocou o dinheiro, comprou um cartão telefônico e ligou. Jussara o atendeu um tanto aborrecida, não estava em um de seus melhores dias:
- Chegou, é? Então tá bom! sai da estação e pega o tram número 9. Não vai esquecer, logo depois do Tropen Museum você desce, atravessa a avenida e a minha rua é a primeira à esquerda.

João ficou pensando por alguns segundos antes de perguntar:
-
Museu do quê? Jussara colocou a mão na cintura como sempre faz quando se sente impaciente e respondeu:
-
João, não interessa, só fala pro cobrador te avisar. Qualquer coisa me liga!

Aos olhos de João, a cidade lhe parecia uma mistura de beleza e apreensão. Ao sentar-se no tram com a mochila no colo as pernas já não mais tremiam.“Consegui! Cheguei à Europa! Jussara realmente é uma grande amiga,” pensou.

O apartamento ficava no terceiro andar de um prédio escuro com escadas estreitas e diferentes pedaços de carpete. Jussara abriu a porta, colocou a mão na cintura, deu três beijinhos no rosto cansado de João, para em seguida perguntar:
- Você trouxe o que eu pedi?
João colocou-se no meio da sala, abriu a mochila e depois de espalhar as roupas no chão, tirou a garrafa Velho Barreiro e as duas últimas edições de Caras, que especificamente foram pedidas por uma das garotas que dividia o mesmo apartamento. Jussara segurou a garrafa nas mãos com reluzentes olhos:
- Você sabe quanto custa essa branquinha por aqui? É uma fortuna! Vou guardar pra horas especiais. Ah, já ia esquecendo, olha, vai recolhendo toda essa bagunça que as meninas já estão pra chegar e elas detestam tranqueiras na sala. Como eu falei, eu divido esse “apertamento” com a Rejane, Marinalva e Lúcia. Você também vai entrar no aluguel e não dividimos comida. Cada um faz a sua e acabou de cozinhar tem que limpar o fogão. O banheiro também, principalmente porque você é o único homem da casa tenho que pedir um favor, não, não é um favor, é uma ordem; você tem que fazer xixi sentado!

Não demorou muito para João Paulo saber que zolder queria dizer ático em holandês, e era ali que ele iria dormir; um colchão no chão, caixas empilhadas e frestas de madeira como divisórias. Que Rejane era a mais quieta das quatro, namorava um holandês de um lugar chamado Purmerend e que em breve se mudaria para lá. Marinalva era a mais velha de todas e a única preocupação era trazer os dois filhos para a Holanda. Lúcia e Jussara eram amigas, mas competiam pelos mesmos namorados. Não demorou muito também para que o dinheiro acabasse e assim foram dias de estômago vazio e desespero no coração. Na hora do jantar João descia e se colocava em uma pequena poltrona no canto da sala e como se não quisesse nada ficava olhando as quatro mulheres da casa, sentadas ao redor da pequena mesa, cada uma com seu prato. Uma vez ou outra trocavam entre elas um pedaço de carne ou um pouco de salada. Riam alto, falavam sobre os novos produtos de limpeza, da vida das patroas e do dinheiro enviado ao Brasil.

Um dia, Marinalva sentiu pena de João e resolveu ser solidária levando-o para dividir as horas em uma das casas onde trabalhava. Foi nesse mesmo dia que João decidira: Essa má sorte há de mudar! Uma vez ou outra lembrava-se de São Paulo e a saudade trazia-lhe pequenas lágrimas, dentro do escuro, na solidão empoeirada de seu zolder.

Jussara, que revelou-se uma amiga oportunista, não deixou de pedir para João que a ajudasse com a venda de “caipirinhas” em uma “roda de capoeira” :
- “ Você só prepara, vender, eu vendo!

Durante toda a tarde João Paulo quebrou gêlo, cortou limão e até olhou para algumas meninas com sorriso sensual, mas elas não o olhavam; era difícil concorrer com os holandeses. Quando Tadeu foi apresentado a ele através de Jussara, João foi logo perguntando sobre dicas de como arrumar emprego em Amsterdã.
- Mano, a coisa tá preta! Não têm quase nada. Conheço uns cara por aí que trabalham em construção…Eu trabalho lá no mercado com o irmão da minha mulher. É barra, é barra! E olha que sou casado com uma holandesa, tenho permissão de trabalho e tudo mais. Não sei não, mano, acho melhor você voltar pro Brasil!

Jussara, com a mão na cintura, olhou para João e gritou:
- E aí, João, vai ficar jogando conversa fora ou vai me ajudar? Olha aí, tem um monte de gente querendo comprar, vai cara!

Quando a festa terminou Jussara resolveu sair com Tadeu mas antes deu a João 5 Euros para que ele pudesse voltar para casa. Tadeu ainda comentou que sabia de alguém que estava à procura de uma faxineira e ofereceu o trabalho à Jussara, que recusou, já não havia mais tempo. João interrompeu a conversa implorando ao novo amigo:

- Deixa eu ir! Eu estou sem nada, já procurei trabalho em todo lugar e não consigo. Deixa eu fazer essa faxina?!”
Tadeu olhou João da cabeça aos pés e com um riso no canto da boca falou:
- Não dá não, mano.Você não têm jeito pra isso não! E beijando Jussara no pescoço saiu em direção à sua bicicleta, olhou para trás e gritou:
- Arregaça a manga, mano!

E se não fosse pela boa intenção de Marinalva, João teria voltado ao Brasil. Com ela, ele dividiu algumas faxinas, conheceu outros brasileiros e fixou-se em outros trabalhos. Todas as noites colocava-se sob a fraca luz de seu quarto e estudava a língua Holandesa. Tornou-se membro da biblioteca local e toda semana levava para casa novos livros de estudos. Depois de oito meses na Holanda e das nuvens escuras começarem a se dissipar sobre sua cabeça, João orgulhosamente abria o jornal para ler notícias e traduzia as cartas do Postbank que chegavam para Marinalva. Em uma de suas leituras chegou ao encontro de um anúncio: Vrouw zoekt Man: Charmante dame, 35 jr. zkt. man of vriend van goed niveau. Reizen, uitgaan en een open haard thuis horen bij deze warme en onafhankelijke vrouw.

Com esperança de dias melhores e da paixão que o revigoraria, João Paulo encontrou-a, como combinado, em um bar com largas janelas em Rembrandtplein. Ao fixar o olhar à figura que com a cabeça do lado de fora do tram gritava em audível português, João Paulo sentiu-se um tanto envergonhado. Não por ouvir sua própria língua, mas pelo exagero repercutido de Tadeu.

Ao descer do tram, Tadeu caminhou em direção ao amigo mostrando certa dificuldade em controlar os passos. Abriu os braços e abraçou João Paulo como se fossem amigos desde a infância.
- Nossa mano, tá diferente. Engordou um pouquinho, mas tá legal! E toda essa roupa cara, mano?! E aí, me conta, como tá a vida?
João ajeitou o casaco, afastou-se para trás na tentativa de defender-se do álcool que exalava da boca de Tadeu e respondeu:

- Tá legal. Muito legal! Olha aí, estou comprando as primeiras roupas do meu filho. Ele nasce em dois meses. Minha mulher está toda feliz!
-Você casou, mano?! Pô, nem pra convidar. Que amigo é esse?!… Casou com quem, Jussara?
-Jussara… enlouqueceu? Casei-me com uma mulher linda. Ela mudou minha vida por completo. Vivemos repletos de boas perspectivas; a chegada do filho, a nova casa que vamos comprar. Sabe como é, criança precisa de espaço.
- Pers…perspectivas…o quê? Tá falando difícil, mano! E as “meninas” lá do Oost, como estão?
- Jussara voltou para o Brasil, Rejane casou-se e mora em Purmerend, Lúcia deve estar por aí e Marinalva, finalmente trouxe os filhos e vai ser a madrinha do meu. A vida muda! E você, ainda está trabalhando lá no mercado?
-Que nada! Saí na maior porrada com meu cunhado. Parei de trabalhar lá e agora só recebo o uitkering. Tá barra, mano, não têm trabalho por aí não. Minha mulher tá legal, continua gostosona. Holandesa danada! Mas por falar em trabalho, tu não sabes de um? -Trabalho? Não, não sei de nada. Mas como você mesmo diz: “arregaça a manga, mano!”

Tadeu abriu a porta da sala com cuidado. Cabeça baixa, aproximou-se da mulher, que espremida na poltrona, porque há meses parara com a dieta, saboreava um frikandel. Ao lado, um prato com bitterballen e a televisão ligada. Era hora de Goede tijden, slechte tijden.

Sentou-se no sofá e perguntou:
- Não têm janta?
A mulher se ajeitou na poltrona, olhou para trás e gritou:
-Cala a boca, vies brasiliaan!

Na cozinha, Tadeu abriu os armários à procura da garrafa de jenever. Encheu um copo com a bebida e foi para a cama. Deitado, olhando para o teto, lembrou-se de João : “Arregaça a manga…arregaça a manga…arregaça a manga” Olha aí, isso dá até um sambinha! Murmurou, antes de fechar os olhos e dormir.

Comente aqui:

Visite nossa página de anúncios classificados
Como chegar
Guia de mapas e transporte público
 
Colunas Anteriores

 

 
 
 
.: Importante :.
Todas as colunas são de única e exclusiva responsabilidade dos seus autores.
Suas opiniões não refletem necessariamente o pensamento da criadora do site.
Site criado e mantido por Márcia Curvo - Reprodução proibida ©2005 - Para sugestões ou anúncios entre em contato conosco.